Há conferências internacionais que marcam épocas e outras que apenas cumprem calendário. A COP30 no Brasil foi o verdadeiro espelho de uma era contraditória: um encontro carregado de expectativas, mas que revelou o abismo entre o discurso climático global e a realidade da geopolítica energética.
Nos últimos anos, o mundo alcançou um raro consenso retórico. Todos defendem a transição energética. Todos exaltam a biodiversidade. Todos dizem perseguir o limite de 1,5°C. Mas esse entusiasmo convive com outro fato: nunca se consumiu tanta energia fóssil quanto agora. As térmicas seguem acesas; o petróleo continua sustentando orçamentos nacionais; o gás ainda estrutura matrizes industriais inteiras. É a era em que o planeta se declara verde, mas vive em tons de cinza.
É nesse cenário que o Brasil entra em cena, e entra grande. Pela primeira vez, uma COP aconteceu na Amazônia, um símbolo planetário. O país chegou com credenciais fortes: matriz energética limpa, liderança em biocombustíveis, conhecimento acumulado em manejo florestal e um histórico de redução de desmatamento quando escolhe agir. A expectativa internacional era evidente: que o Brasil demonstrasse como conciliar preservação, indústria e crescimento em um único modelo de desenvolvimento.
Mas também chegou com contradições. A descoberta de uma nova mega-reserva de petróleo no pós-sal expôs a dualidade brasileira. O país quer liderar a agenda verde, mas ainda depende do ouro negro para financiar políticas públicas. Não se trata de hipocrisia, mas de realidade: nenhum país abandona receita bilionária sem antes construir uma alternativa industrial sólida. A transição energética não é poesia; é economia política.
A grande questão sobre a COP30 não foi a festa diplomática. Essa estava garantida. O ponto central era se o Brasil teria coragem estratégica de apresentar ao mundo um roteiro claro para transformar seus ativos naturais em vantagem industrial. Porque a transição energética não é apenas ambiental, é o início de um novo ciclo produtivo global. Chamo isso de “green industrial boom”: a corrida mundial por baterias, hidrogênio verde, amônia, biocombustíveis avançados, minerais críticos e infraestrutura resiliente. A disputa do século não será por narrativas, mas por cadeias produtivas inteiras.
Nessa corrida, Estados Unidos e China já largaram na frente. Os EUA usam o Inflation Reduction Act como arma industrial, oferecendo subsídios gigantescos a tecnologias limpas, semicondutores e veículos elétricos. A China responde com escala e domínio dos minerais estratégicos que sustentam a economia de baixo carbono. A Europa tenta manter competitividade, pressionada por energia cara e regulação rígida.
E o Brasil? Ainda oscila entre o orgulho de seus recursos naturais e a ausência de uma estratégia integrada. A COP30 deveria ter sido o momento em que o país apresentaria um pacto industrial verde capaz de unir Amazônia, energia, infraestrutura, agricultura sustentável, bioeconomia e financiamento internacional. Não basta ter floresta; é preciso ter indústria que conviva com ela. Não basta ter etanol; é preciso dominar a tecnologia que o torna global. Não basta ter sol e vento; é necessário convertê-los em produtos de alto valor agregado.
O mundo está cansado de promessas que evaporam. Belém foi observada não pelas frases feitas, mas pela capacidade de entregar direção estratégica. O Brasil precisa ser o país que traduz discurso verde em política econômica concreta. O mundo vive dividido entre o que fala, o que reage e o que age.
É necessário conectar preservação com prosperidade, biodiversidade com indústria e energia limpa com desenvolvimento. O país que dominar essa equação não só será ouvido, mas será seguido.
*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam
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