Muitos conservadores reclamam do foro privilegiado do qual desfrutam os parlamentares brasileiros. Mas o que esses eleitores percebem como algo ruim pode ficar ainda pior, com a chamada PEC da blindagem. A proposta de emenda constitucional acaba com esse recurso, mas torna praticamente impossível que se investigue ou se processe um congressista.
O texto propõe ampliar a proteção legal de parlamentares contra ações do Judiciário. A PEC exige autorização prévia da Câmara ou do Senado para que deputados e senadores sejam investigados ou processados por crimes comuns. Também restringe prisões em flagrante a casos de crimes inafiançáveis e limita medidas cautelares como tornozeleiras eletrônicas. A proposta retoma o que estava escrito originalmente na Constituição de 1988, alterado em 2001.
Naquele ano, o deputado Aécio Neves propôs instituir o foro privilegiado para congressistas, transferindo o julgamento de crimes comuns para o Supremo Tribunal Federal, sem necessidade de autorização prévia do Congresso. A ideia era limitar a imunidade parlamentar excessiva que existia anteriormente e combater a impunidade. Para o deputado, a imunidade era usada para proteger parlamentares indevidamente, pois dependia de aprovação do Congresso para processar deputados ou senadores por atos fora do mandato, o que frequentemente resultava em blindagem de colegas e falta de responsabilização.
Ocorre que os deputados – principalmente os do Centrão ou da direita – começaram a se queixar da marcação cerrada promovida por ministros do Supremo. E passaram a trabalhar contra o foro privilegiado. Só que a emenda deve ficar pior que o soneto. Ao resgatar o texto original da Constituição, que blindava o Parlamento de qualquer tentativa de investigação ou processo, os congressistas terão imunidade quase que total.
Hoje, há ministros do STF que se consideram imunes à parcialidade e podem julgar qualquer processo – mesmo aqueles em que estão envolvidos, diretamente ou através de parentes. Esse espírito (o de se julgar acima da sociedade) parece ter contaminado o Legislativo.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (imagem), defendeu a chamada PEC da Blindagem e refutou a acusação de que essa proposta seja uma forma de retirar o poder de fogo do STF contra o Parlamento. “Não é uma medida de reação a quem quer que seja”, disse. “É uma medida que o Poder Legislativo entende, pelo menos no âmbito da Câmara, acerca dessa revisão constitucional, daquilo que a nós é garantido, e poder trazer mais independência, mais contribuição”.
Não deve ser esta, no entanto, a interpretação da maioria dos brasileiros. Lembremos uma pesquisa do Instituto Quaest, divulgada na semana passada: segundo o estudo, 81% dos brasileiros acreditam que o Congresso Nacional age em benefício próprio.
Além disso, precisamos ter em mente a operação deflagrada pela Polícia Federal, ontem, que visou o crime organizado e sua atuação na área de combustíveis, com ramificações no mercado financeiro. Vamos supor que a PEC seja aprovada, blindando os parlamentares, e um dos líderes das organizações criminosas seja eleito para o Congresso. Teríamos um meliante intocável no Parlamento, sem instrumentos legais para retirá-lo do Poder Legislativo.
É isso que queremos para o nosso país?