A recente briga entre governo e líderes do Congresso tem origem em uma análise que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez sobre o cenário político no início deste ano. Lula percebeu que o Centrão iria abandonar seu barco em algum momento de 2025, bandeando-se para a oposição. Diante disso, sabia que iria enfrentar algumas crises com o Parlamento ao longo do ano. Sua conclusão foi a de que, sem diálogo com o centro, o melhor seria dar ao seu governo um banho de tintas esquerdistas.
Foi por conta disso que a nomeação de Guilherme Boulos para o ministério começou a ser ventilada, já em março. Depois, Lula orientou ao líder do governo na Câmara, Lindbergh Farias, que começasse a bater no presidente da casa, Hugo Motta. Por fim, o presidente resolveu nomear alguém de sua estrita confiança (o Advogado-Geral da União Jorge Messias) para o posto que se abriu no Supremo Tribunal Federal, deixando de lado o senador Rodrigo Pacheco – indicação que deixou presidente do Senado, Davi Alcolumbre, fulo com o líder do governo na Câmara Alta, Jacques Wagner.
Lula sabe que terá de negociar muito bem para evitar as cascas de banana que surgirão pela frente no terreno parlamentar. Um deles é a pauta-bomba que Alcolumbre colocou em votação ontem: aposentadoria integral e paritária para agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, aprovada por 57 votos a zero. Repetindo: 57 X 0. O custo da brincadeira é R$ 11 bilhões nos próximos três anos (o texto ainda deve passar pela Câmara dos Deputados).
O fato é que, apesar de ter ocupado cargos importantes na Esplanada, o Centrão nunca esteve totalmente comprometido com o governo Lula. Na prática, as votações tinham de ser negociadas caso a caso como se não houvesse uma bancada de apoio.
Uma das razões para essa independência foi o surgimento das emendas de relator, que deram aos parlamentares uma autonomia nunca experimentada. Com esse recurso, deputados e senadores podem dirigir recursos às bases eleitorais sem pedir a bênção ao Executivo, o que fez mudar significativamente o chamado toma-lá-dá-cá. O custo das negociações por parte do Planalto, de um lado, aumentou. Por outro, houve a necessidade de envolvimento maior do presidente na distribuição de rapapés e afagos. Mas a versão número 3 de Lula não está muito afeita a esse tipo de interação, o que tornou o jogo político em Brasília mais complicado.
O Centrão fareja uma derrota antes mesmo de ela se materializar e, por isso, decidiu se afastar do governo Lula (isso não quer dizer, entretanto, que o PT já perdeu o pleito do ano que vem). A percepção de que o barco governista não resistirá às ondas de 2026, porém, é muito forte.
A postura dos centristas mostra que a lógica pragmática que sempre guiou esse bloco agora se volta contra o governo. O resultado é um jogo político no qual o Centrão se afasta para não carregar o peso de uma derrota provável, deixando Lula isolado em um tabuleiro cada vez mais hostil.
E se Lula vencer em 2026? Neste caso, o jogo será zerado. E uma nova negociação colocará o Centrão outra vez no epicentro da máquina pública, nomeando ministros, autoridades diversas e inúmeros cargos de segundo escalão. Afinal, ninguém é de ferro.
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