A Enel se tornou uma das poucas unanimidades de um país tomado pela polarização: é criticada pela esquerda, pelo centro e pela direita. A empresa, inclusive, conseguiu uma proeza, a de alinhar adversários políticos para tentar destituí-la como concessionária de serviços elétricos para a cidade de São Paulo e mais 23 regiões.
A situação da companhia se tornou insustentável após um apagão prolongado com origem no vendaval que se abateu sobre a capital paulista na semana passada. É bem verdade que a Enel já era alvo de críticas há meses por parte do prefeito Ricardo Nunes e do governador Tarcísio de Freitas. O governo federal, porém, resistia à ideia de intervir no fornecimento de energia na maior cidade do país.
Não deixa de ser irônico. Dois políticos que defendem a privatização de serviços públicos queriam rifar a Enel, enquanto o Planalto – controlado por um partido que é contra a troca do Estado pela iniciativa privada – hesitava. O alinhamento ocorreu finalmente na terça-feira, quando Nunes e Tarcísio se reuniram com o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira (imagem). Houve, então, uma ação conjunta pedindo o cancelamento do contrato da companhia italiana junto à Aneel.
A crise em torno da energia elétrica em São Paulo reativou um debate sobre as privatizações. Diversos posts nas redes sociais mostravam o prefeito Nunes e o governador Tarcísio como responsáveis pelo apagão, pois eram defensores da privatização e tinham colocado a Enel como concessionária.
Ocorre que a privatização da antiga Eletropaulo aconteceu ainda no governo de Mário Covas, que era secundado pelo atual vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. A empresa foi vendida a um consórcio liderado pela AES, que a repassou à Enel em 2018, quando o comando do governo paulista era do atual ministro Márcio França (que nada teve a ver com a operação, empreendida no âmbito privado).
Entre 1998 e 2018, não houve grandes queixas da então AES Eletropaulo. E precisamos lembrar que o fornecimento de energia elétrica em São Paulo teve início com a Light, que começou a atuar em 1899 e nada tinha a ver com o governo. A empresa canadense teve o controle adquirido em 1979 pela Eletrobrás, que então repassou a companhia para o Palácio dos Bandeirantes em 1981.
Pode-se dizer que só percebemos a verdadeira importância da energia elétrica quando ficamos sem eletricidade. Portanto, um serviço que não consegue resolver com rapidez as intempéries do clima é massacrado pela população quando há demora para resolver um corte no fornecimento.
Mas o que era ruim ficou pior. Surgiram denúncias de que técnicos a serviço da Enel estavam cobrando propina para religar a energia de casas e estabelecimentos comerciais – algumas documentadas com gravações e prints de conversas por WhatsApp. Quando existe uma rede de corrupção por parte de colaboradores subalternos é sinal de que a governança de uma empresa está operando em um nível sofrível.
A crise atual, no entanto, não deve ser usada como argumento contra a privatização, mas como prova de que a iniciativa privada oferece mecanismos de correção que o Estado não teria. A Enel, diante de falhas graves, pode ser substituída por outra concessionária, algo que seria impossível caso o serviço fosse estatal. Neste cenário, a população ficaria refém de um único fornecedor, sem a possibilidade de troca e sem a pressão competitiva que obriga uma melhora contínua de eficiência e qualidade. A lógica do mercado permite que contratos sejam revistos, garantindo que o interesse público prevaleça sobre a inércia burocrática.
Privatizar não significa blindar empresas contra críticas ou falhas, mas criar um ambiente em que elas possam ser responsabilizadas e, se necessário, afastadas. O episódio da Enel mostra que a sociedade e os governos têm instrumentos para reagir e buscar alternativas, algo que não ocorreria em um modelo estatal engessado. A privatização, portanto, não é a origem do problema, mas a condição que possibilita a solução.
Com o eventual cancelamento do contrato da Enel, podemos ter um final horroroso para essa situação. Mas, caso o Estado estivesse no comando da energia elétrica em São Paulo, teríamos um horror sem fim.













