O recente posicionamento do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a meta fiscal reacendeu o debate sobre a responsabilidade do governo com as contas públicas. A decisão de permitir que o governo mire o piso da meta, em vez do centro, foi interpretada por analistas como um sinal de que o país caminha para uma flexibilização fiscal institucionalizada. Para o economista VanDyck Silveira, o movimento representa uma perigosa inversão de papéis: “O TCU, que deveria ser freio, está se tornando o acelerador”, afirmou em entrevista à BM&C News.
O especialista avalia que a medida abre espaço para uma postura mais leniente com as finanças públicas. Segundo ele, o governo “ganha tempo”, mas perde credibilidade ao permitir que metas deixem de ser compromissos de resultado para se tornarem apenas indicadores de conveniência. “Essa decisão é o gato subindo no telhado. O gato vai cair no ano que vem, quando será inevitável flexibilizar a meta, porque não há de onde tirar os R$ 46,7 bilhões que faltam”, criticou Silveira, ressaltando que o relaxamento fiscal já é uma realidade disfarçada de ajuste técnico.
Decisão do TCU é técnica ou uma flexibilização disfarçada?
Para o economista, a justificativa de que se trata de um ajuste técnico de prazo é apenas uma forma de legitimar politicamente um problema estrutural. “Quando um terceiro poder da República autoriza o governo a mirar embaixo da meta, isso deixa de ser ajuste e passa a ser autorização para o descumprimento planejado”, pontuou. Ele destacou ainda que, ao permitir variações negativas no resultado primário, o TCU contribui para enfraquecer a credibilidade do arcabouço fiscal, que já enfrenta questionamentos desde a sua formulação.
VanDyck Silveira lembrou que a própria estrutura da meta, com intervalos amplos e margem de tolerância, já seria suficiente para lidar com imprevistos de arrecadação. Porém, a decisão recente, ao validar a busca pelo piso, transforma o que era uma faixa de segurança em uma porta aberta para gastos adicionais. “A meta é o centro, não o limite inferior. Quando se institucionaliza o piso como objetivo, a mensagem enviada ao mercado é de que o esforço fiscal acabou”, analisou.
Erros orçamentários e falta de responsabilização
Em outro trecho da entrevista, o economista também criticou a recorrência de erros nas projeções orçamentárias do governo. Segundo ele, há um padrão de receitas superestimadas e despesas subestimadas que se repete a cada exercício fiscal, sem que haja responsabilização pelos equívocos. “Se estivéssemos falando de uma empresa privada, toda a diretoria seria demitida. No setor público, nada acontece. É inadmissível que esse tipo de erro seja tratado como falha de cálculo, quando claramente é deliberado para viabilizar orçamentos politicamente convenientes”, afirmou.
VanDyck relatou uma experiência pessoal no setor privado para ilustrar a diferença de responsabilidade. “Fui CEO por 23 anos. Em uma das empresas, um desvio de R$ 50 milhões negativos em relação à projeção foi suficiente para mudar toda a gestão. No governo, erros dessa magnitude não geram consequência alguma”, destacou. Para ele, esse tipo de conduta compromete o controle fiscal e cria uma cultura de impunidade dentro da administração pública.
Qual é o papel do TCU nesse contexto?
O economista defende que o TCU deveria atuar como uma instância de controle e correção, e não como avalista de manobras fiscais. “O tribunal existe para proteger o erário e zelar pela legalidade orçamentária. Quando ele se transforma em um instrumento político que facilita o descumprimento das metas, o país perde uma das poucas instituições que ainda conferiam credibilidade às contas públicas”, disse.
Além disso, VanDyck alertou para o risco de o tribunal criar um precedente institucional perigoso. Se a flexibilização fiscal se consolidar com o aval do TCU, governos futuros poderão se sentir autorizados a adotar a mesma prática, o que fragiliza a responsabilidade fiscal de longo prazo. “A mensagem que se passa é de que o controle desapareceu. O TCU deveria ser o fiscal da austeridade, mas agora parece disposto a legitimar o descontrole”, afirmou.
Arcabouço fiscal em xeque
Ao avaliar o cenário de médio prazo, Silveira foi categórico ao afirmar que o chamado arcabouço fiscal é uma ficção. Para ele, a estrutura criada pelo governo não possui mecanismos efetivos de ajuste. “O arcabouço é uma peça de ficção inventada para aprovar politicamente um limite que, na prática, nunca existiu. É uma narrativa construída para dar aparência de responsabilidade, enquanto as contas se deterioram”, argumentou.
De acordo com o economista, a combinação de metas frouxas, projeções irrealistas e condescendência institucional cria um ambiente em que a política fiscal perde qualquer credibilidade. “Se o governo pode ajustar a meta quando quiser e o TCU aprova, não existe meta. Existe apenas conveniência. E conveniência não é política fiscal”, concluiu.
O alerta de VanDyck Silveira resume o tom de preocupação com a condução das contas públicas: um país que transforma seu órgão de controle em instrumento de flexibilização perde o freio institucional que sustenta a confiança dos agentes econômicos. Em suas palavras, o TCU, que deveria ser o freio, agora é o acelerador.