No programa Mercado & Beyond desta semana, Paula Moraes recebeu Flávio Conde da Levante para analisar a mudança estrutural que marcou os últimos anos dos mercados. A fase de liquidez farta cedeu espaço a um ambiente que recompensa disciplina e eficiência. Bancos centrais já iniciaram cortes de juros em economias desenvolvidas, porém o consenso não aponta retorno ao passado de dinheiro sem custo, o que exige cautela e reposicionamento tático dos investidores.
Conde defende que o ciclo atual combina pressões fiscais, tensões geopolíticas e crescimento global mais lento. Nesse sentido, o Brasil convive com juros reais elevados, quadro que desestimula inovação e encarece o capital. Para avançar, afirma ser indispensável reduzir o endividamento público, reequilibrar a estrutura tributária dos investimentos e reconstruir condições para uma taxa neutra mais baixa. O diagnóstico sugere ajustes graduais com foco em produtividade.
Mercado no radar: Brasil precisa arrumar a casa para crescer
O entrevistado propõe um roteiro que começa pela disciplina fiscal. O aumento da dívida como proporção do PIB mantém o prêmio de risco elevado e aprisiona a economia em juros altos. Além disso, a estrutura tributária dos investimentos foi apontada como desbalanceada. Isenções em prazos longos para títulos privados e a proposta de alíquotas lineares não favorecem a poupança de longo prazo. “Investimentos longos deveriam ter tributação menor para estimular a formação de capital“, destaca Conde.
O encarecimento do capital também ajuda a explicar a escassez de ofertas na bolsa. Com taxa de desconto alta, o valor presente das empresas cai e o empresário evita abrir capital. Por outro lado, a renda fixa com benefícios fiscais disputa recursos com a bolsa e pode até dificultar a rolagem da dívida pública. O resultado é menos risco no curto prazo e menos crescimento no médio prazo.
ETFs ganham terreno no mercado e fundos passam por reinvenção
Enquanto isso, a indústria de fundos enfrenta um período desafiador. Resgates persistentes e consolidação de gestoras ocorrem em paralelo ao avanço dos ETFs, que oferecem diversificação a baixo custo. Para o investidor que busca exposição global, um único ETF pode reunir centenas de ações com taxas de administração bastante reduzidas. A comparação pressiona modelos tradicionais com taxas elevadas e incentiva a busca por eficiência operacional.
Apesar da digitalização, o serviço especializado segue relevante. Investidores desejam entender o que está por trás dos números, o que amplia o papel do analista e da consultoria personalizada. A combinação de relatórios, atendimento qualificado e educação financeira ajuda a transformar compradores de ações em compradores de empresas, com ênfase em qualidade, geração de caixa e governança.
O investidor brasileiro amadureceu
Flávio Conde observa mudança de comportamento da pessoa física. Desde a pandemia, muitos passaram a comprar na baixa e a reforçar posições com visão de longo prazo. Há mais interesse por conhecimento e por construção de carteira própria. Cresce também a participação em classes como fundos imobiliários e private equity, o que amplia o leque de alternativas além do binário renda fixa e ações.
O convidado vê probabilidade de correção relevante até o fim da década. O movimento de valorização ancorado em inteligência artificial pode embutir expectativas exageradas, lembrando episódios do passado. Ouro também pode merecer ajuste, já que não remunera e foi puxado por realocações oficiais. A orientação é manter diversificação, reduzir concentração em ativos com euforia e preservar ganhos já obtidos em segmentos que subiram demais.
Como a indústria pode criar valor em retornos menores
Com retornos estruturais potencialmente mais modestos, a indústria tende a migrar para modelos de preço mais enxutos e foco em serviço. A lógica empurra taxas de administração para patamares inferiores e reduz performance fees. A tecnologia segue como aliada na montagem de carteiras e na análise de dados, porém o diferencial competitivo recai sobre transparência, personalização e clareza na comunicação com o cliente.
O que fazer agora:
- Priorizar cesta diversificada com exposição internacional e classes descorrelacionadas
- Rever custos e preferir veículos eficientes como ETFs quando fizer sentido
- Evitar concentração em narrativas com preços muito esticados
- Valorizar governança, geração de caixa e qualidade de balanço nas empresas escolhidas
- Manter processo disciplinado de rebalanceamento e preservação de capital
O investidor deve priorizar previsibilidade ou oportunidade
A resposta proposta pelo entrevistado combina as duas dimensões. Em primeiro lugar, preservar. Em segundo lugar, buscar assimetrias com risco controlado. A carteira sólida nasce do equilíbrio entre previsibilidade de fluxos e oportunidades bem avaliadas. Enquanto isso, a educação financeira ganha espaço entre os mais jovens, o que reforça a tendência de longo prazo para a base de investidores no país.
Conde acredita que o especialista terá mais valor do que o generalista. O mercado premia quem aprofunda setores, entende riscos específicos e comunica com clareza. Opiniões fora do consenso, bem fundamentadas, serão diferenciais em um ambiente de dados abundantes e relatórios padronizados. A comunicação multicanal com responsabilidade é parte do serviço e sustenta a confiança do investidor.
A trajetória desejável envolve responsabilidade fiscal e reformas que reequilibrem incentivos da poupança de longo prazo. Caso a taxa nominal convergisse para patamares de oito a nove e a inflação ancorasse próxima de quatro, a economia teria um novo normal mais favorável ao investimento. Até lá, disciplina e paciência continuam essenciais para atravessar um ciclo que recompensa eficiência e gestão de riscos.