A recente operação da Polícia Federal revelou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) criou um ‘conglomerado empresarial’, controlando postos de combustíveis, distribuidoras, transportadoras, fintechs e até fundos de investimento. Segundo especialistas ouvidos pela BM&C News, as brechas regulatórias permitiram que crime organizado movimentasse bilhões de reais sem ser detectada pelas autoridades financeiras durante anos.
O advogado Solano de Camargo explicou que o esquema se apoiou em um tripé, grandes volumes de recursos ilícitos, necessidade de lavagem e reinserção desse dinheiro na economia. “Eles se aproveitaram de uma brecha regulatória envolvendo as fintechs, um ecossistema novo que não tinha as mesmas regras dos bancos. Nesse vácuo, criaram estruturas complexas para lavar dinheiro em grande escala”, afirmou.
Como as fintechs foram usadas pelo crime organizado como ‘bancos invisíveis’?
De acordo com Solano, o uso das fintechs foi um dos pontos mais críticos da operação. “Essas empresas funcionaram como verdadeiros bancos invisíveis. Uma única fintech chegou a movimentar mais de R$ 40 bilhões sem ser rastreada”, destacou. O advogado lembrou que essa fragilidade não é exclusiva do Brasil, mas uma tendência global dos últimos 20 anos. “As fintechs não tinham as mesmas obrigações de transparência impostas às instituições financeiras tradicionais. O crime organizado soube explorar essa brecha”, completou.
Ele também relembrou que a Receita Federal chegou a publicar uma instrução normativa em 2024, que estendia as obrigações de reporte às fintechs a partir de janeiro de 2025. No entanto, a medida foi revogada após forte reação do mercado, especialmente por especulações envolvendo o Pix. “Esse retrocesso acabou impedindo o fechamento de lacunas regulatórias que poderiam ter limitado a atuação do crime organizado”, disse.
Quais os riscos para investidores em fundos citados?
Um dos pontos que gerou preocupação foi a possível contaminação de fundos de investimento acessados por investidores institucionais ou de varejo. No entanto, Solano de Camargo descartou, até o momento, riscos mais amplos. “Aparentemente existiram fundos criados especificamente para lavagem de dinheiro, com um único cotista, em uma estrutura em ‘camadas’ que a gente chama de cebola regulatória. Em princípio, não houve contaminação de fundos abertos ao público”, explicou.
O advogado ressaltou que a eventual responsabilização de gestoras dependeria de provas de envolvimento direto. “O bloqueio de operações de uma gestora só ocorreria se fosse comprovado vínculo criminoso específico. Até agora, não há informação concreta de que isso tenha acontecido”, afirmou.
O que dizem os gestores sobre o crime organizado infiltrado no mercado?
Para o CIO da MSX Invest, Marco Saravalle, a principal preocupação é entender se os desdobramentos jurídicos podem atingir investidores legítimos. Ele destacou que, pelo formato utilizado pelo PCC, o risco de contaminação parece limitado. “Esse ecossistema foi formado especificamente para lavagem de dinheiro. Não há indícios de que investidores tradicionais tenham sido atingidos”, afirmou.
Nesse sentido, Saravalle reforçou a necessidade de separar os casos investigados da atuação cotidiana do mercado. “Em princípio, não vejo risco para os investidores institucionais ou de varejo que participam de fundos abertos. O que houve foi a utilização de brechas regulatórias para criar estruturas paralelas e clandestinas”, disse.
Quais medidas podem ser tomadas para evitar novos casos?
Os especialistas apontam que a principal medida é fechar as lacunas regulatórias que permitem a atuação de organizações criminosas no sistema financeiro. Solano de Camargo enfatizou que a transparência das fintechs precisa ser equiparada à das instituições financeiras tradicionais. “Sem obrigações de reporte e mecanismos eficazes de supervisão, os criminosos vão continuar encontrando formas de movimentar grandes volumes de dinheiro ilícito”, destacou.
Além disso, há consenso de que a atuação coordenada entre órgãos reguladores e o mercado é essencial. Nesse sentido, Saravalle reforçou que a credibilidade do mercado financeiro depende de regras claras e de investigações que isolem atividades ilícitas, sem gerar insegurança nos demais investidores. “É preciso punir os responsáveis e, ao mesmo tempo, preservar a integridade do sistema para quem atua de forma legítima”, concluiu.
- Ponto central: PCC usou fintechs e fundos exclusivos como instrumentos de lavagem.
- Risco limitado: até o momento, não há indícios de contaminação de fundos abertos.
- Falha regulatória: ausência de regras de transparência para fintechs facilitou crimes.
- Medidas necessárias: reforçar supervisão e equiparar obrigações de fintechs a bancos.
Por ora, o caso segue em investigação pela Polícia Federal, mas especialistas reforçam que a prioridade deve ser a modernização regulatória para evitar que estruturas paralelas como as descobertas voltem a operar no sistema financeiro brasileiro.