No novo episódio do seu balanço trimestral, a Netflix colocou o Brasil no papel de vilão. A gigante do streaming registrou um impacto de aproximadamente US$ 619 milhões (R$ 3,3 bilhões) em despesas fiscais ligadas a uma disputa com o fisco brasileiro, o que reduziu o brilho dos bons resultados operacionais do terceiro trimestre de 2025. A situação reacendeu o debate sobre o peso do sistema tributário nacional e sua influência nas decisões de investimento de empresas estrangeiras.
A companhia reportou receita 17% maior em relação ao mesmo período de 2024, impulsionada pelo aumento de assinaturas, crescimento da receita com publicidade e reajustes de preços realizados em janeiro. O lucro líquido foi de US$ 2,55 bilhões, ou US$ 5,87 por ação, superando os US$ 2,36 bilhões registrados no ano anterior. O fluxo de caixa livre atingiu US$ 2,66 bilhões, também acima das estimativas.
Mas o bom desempenho financeiro acabou ofuscado pelo impacto da despesa com impostos. A Netflix reconheceu a perda após considerar “razoavelmente provável” que perderia uma disputa judicial relacionada à cobrança de um imposto de 10% sobre pagamentos feitos por entidades brasileiras a operações no exterior — tema que se arrasta desde 2022.
Durante a teleconferência de resultados, o diretor financeiro da empresa, Spence Neumann, explicou que “sem essa despesa, a Netflix teria superado suas previsões de lucro operacional e margem operacional”, e afirmou que o episódio não deve gerar efeitos relevantes nos próximos trimestres.
Para o estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, o caso vai além da contabilidade. “A Netflix colocou praticamente a culpa no Brasil, no sistema tributário. As estrangeiras reclamam constantemente sobre investir no país”, disse. Segundo ele, a situação evidencia um problema estrutural. “A gente torce muito que a reforma tributária tire um pouco desse peso que é investir no Brasil em termos de diferença com relação a outros países.”
Cruz destaca que o episódio tem potencial de afetar a imagem do país no exterior. “A Netflix está evidenciando isso na prática, mostrando pro mundo inteiro que quem está pensando em investir no Brasil, pense duas vezes. A gente quer que falem: ‘Poxa, pense como é bacana investir no Brasil’, e não que viemos parar nas manchetes pelo negativo.”
O estrategista-chefe da Avenue, William Castro Alves, reforça que o trimestre da Netflix foi operacionalmente sólido, mas que a despesa fiscal acabou roubando a cena. “Os resultados vieram em linha com o esperado — houve crescimento de receita, melhora no fluxo de caixa e avanço da receita publicitária. O problema é que esse tipo de ruído fiscal contamina a percepção sobre o ambiente de negócios do país.”
Segundo ele, a decisão de contabilizar todo o impacto neste trimestre mostra transparência, mas reforça uma mensagem incômoda. “A empresa quis encerrar o assunto e limpar o balanço, o que é positivo. Mas o recado que fica é o de que o Brasil ainda é um ambiente tributário complexo e imprevisível para quem opera globalmente.”
Mesmo após o episódio, a Netflix manteve suas projeções otimistas para o ano, estimando receita de US$ 45,1 bilhões — crescimento de 16% frente a 2024 — e fluxo de caixa livre de US$ 9 bilhões. Parte dos recursos será destinada à recompra de ações e a novos investimentos em conteúdo.
No entanto, a questão tributária brasileira acabou se tornando o destaque do trimestre. Como sintetiza Gustavo Cruz, “o problema não é a Netflix em si, é a mensagem que fica — e o quanto isso pode custar à imagem do Brasil como destino de investimento.”