A recuperação judicial da Ambipar (AMBP3), anunciada no início da semana, acendeu um alerta no mercado de fusões e aquisições (M&A). Após realizar 42 aquisições em poucos anos, a companhia que cresceu por meio de uma estratégia agressiva de consolidação enfrenta agora o desafio de reorganizar dívidas bilionárias e restaurar a confiança de credores e investidores.
O caso levanta uma questão crucial para o ambiente de negócios: o que acontece quando o comprador entra em recuperação judicial antes de pagar integralmente pela empresa adquirida?
Em boa parte das operações de compra e venda, o vendedor aceita receber parte do preço a prazo ou de forma contingente, confiando que o comprador honrará o contrato. Mas, segundo Fernando Zanotti Schneider, sócio de Fusões e Aquisições do Abe Advogados, quando o comprador entra em recuperação, esses créditos entram no processo judicial e passam a disputar espaço com todos os outros credores. “Em um cenário como esse, os créditos podem sofrer descontos e alongamentos severos, como qualquer outro credor quirografário. A diferença entre receber ou não está nas garantias contratuais”, explica Zanotti.
O advogado observa que, quando o contrato prevê garantias reais ou cartas-fiança emitidas por bancos de primeira linha, o vendedor pode ter tratamento preferencial no processo e escapar das perdas mais expressivas.
O custo da confiança e o risco da assimetria
Zanotti destaca que, nas negociações entre empresas de portes muito diferentes, a assimetria de forças costuma levar vendedores menores a aceitarem condições de pagamento mais arriscadas. Em muitos casos, o comprador resiste à ideia de prestar garantias, o que aumenta a exposição de quem está vendendo.
“Negociação não é duelo de egos, é equilíbrio de riscos. Em transações de alto valor, pedir garantias não é desconfiança, é técnica e prudência”, afirma.
A Ambipar ilustra essa dinâmica: ao adotar um ritmo acelerado de aquisições, com média de uma compra a cada três semanas, a companhia criou uma cadeia de obrigações complexas e expôs seus vendedores a riscos contratuais agora colocados à prova com o pedido de recuperação judicial. O advogado também alerta que nenhuma empresa está imune a crises financeiras súbitas e cita também o caso recente da Lojas Americanas. “Cautela e técnica continuam sendo os melhores aliados de qualquer vendedor. O mercado de M&A não vive de otimismo, mas de equilíbrio contratual”, conclui Zanotti.
A complexidade jurídica da recuperação da Ambipar
Além dos impactos financeiros e das discussões sobre governança e credibilidade, o caso da Ambipar também chama atenção pela dimensão jurídica do processo. O pedido de recuperação envolve duas jurisdições, diversas classes de credores e instrumentos financeiros distintos, o que o torna um dos mais complexos já observados no setor de sustentabilidade e serviços ambientais.
Para Rodrigo de Oliveira Spinelli, advogado especialista em Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência de empresas e sócio do BBMOV Advogados, o caso evidencia um movimento jurídico coordenado e tecnicamente sofisticado, com etapas que seguem a lógica da legislação brasileira e norte-americana.
Spinelli explica que o grupo iniciou o processo com uma Tutela Cautelar Antecedente, prevista no artigo 6º, §12º da Lei nº 11.101/2005. Essa medida funciona como uma proteção temporária de até 30 dias, permitindo que a empresa blinde seu patrimônio e prepare o pedido principal de recuperação judicial. “A tutela cautelar é uma espécie de fôlego inicial. Ela evita bloqueios e execuções imediatas, garantindo que a empresa tenha tempo para cumprir os requisitos legais e formalizar o pedido de recuperação”, explica o advogado.
O especialista também destaca que o grupo optou por uma dupla tramitação — no Brasil e nos Estados Unidos. No exterior, a subsidiária Ambipar Emergency Response, sediada nas Ilhas Cayman, ingressou com pedido de proteção sob o Chapter 11, mecanismo que oferece reestruturação mais ampla e abrange uma gama maior de credores. “A legislação brasileira permite essa tramitação paralela, desde que haja cooperação entre os juízos. O Chapter 11 tende a incluir mais tipos de créditos, enquanto a recuperação judicial no Brasil possui um escopo mais restrito”, detalha Spinelli.
O advogado ressalta que o principal desafio está na complexidade da estrutura de dívidas: além de envolver credores nacionais e internacionais, há instrumentos financeiros como derivativos e contratos vinculados a diferentes prazos e moedas. “É um caso que reúne praticamente todos os desafios de uma grande reestruturação: governança, transparência, confiança dos credores e manutenção das operações e empregos. A empresa precisará equilibrar tudo isso enquanto tenta se reerguer”, conclui Spinelli.
(Colaborou Renata Nunes)
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