Com o Ibovespa acumulando alta próxima de 30% em 2025 e o CDI entregando algo em torno de 15% no ano, muitos investidores começam a se perguntar se ainda dá tempo de “pegar o rali de Natal” da bolsa na reta final. Foi esse o ponto de partida do Papo de Dinheiro, na BM&C News, apresentado por Felipe Nascimento, com a participação de Marco Saravalle, CIO da MSX Invest.
Ao longo da entrevista, Saravalle falou sobre o chamado “rali de Natal”, o efeito calendário de janeiro, o medo de ficar de fora (o famoso FOMO), os riscos de tentar acertar o “timing perfeito” e a importância de construir uma carteira diversificada, com foco em consistência e disciplina de longo prazo.
O que é, afinal, o rali de Natal?
Saravalle explica que o termo “rali de Natal” nasce da observação histórica de que, em alguns mercados, especialmente nos Estados Unidos, dezembro tende a ser um mês com maior probabilidade de alta para as ações. Com uma base estatística longa, de 50 a 100 anos de dados, analistas e estrategistas passaram a identificar padrões sazonais de desempenho ao longo do ano.
“Nos EUA eles têm 10, 20, 30, 50, 100 anos de dados. A partir daí conseguem dizer que dezembro, em boa parte dos anos, tende a ser positivo”, resume o gestor.
No Brasil, porém, o histórico em moeda estável é mais curto, pouco mais de 30 anos desde o Plano Real. Isso torna a leitura estatística mais limitada e sujeita a ruídos de fatores locais, como política, discussão de orçamento e incertezas fiscais.
Saravalle lembra ainda que o rali de Natal não é uma regra, mas um comportamento de mercado que pode ou não se repetir. “Em 2024, por exemplo, a gente não teve rali de Natal na bolsa brasileira. Pelo contrário, os últimos meses do ano foram negativos. Quem brilhou foi o dólar”, recorda.
Efeito calendário: janeiro costuma ser ainda mais forte
Se dezembro é o mês mais famoso, janeiro é o mês que, segundo estudos acadêmicos citados por Saravalle, costuma apresentar estatisticamente maior probabilidade de resultado positivo, ao menos no mercado americano, com reflexos parciais no Brasil.
“Historicamente, o mês de janeiro tende a ser mais positivo por conta do chamado efeito calendário”, explica. O gestor associa esse movimento à combinação de otimismo de virada de ano, resoluções de ‘vou ganhar dinheiro no próximo ano’ e decisões de rebalanceamento de carteira, tanto de investidores pessoas físicas quanto de gestores profissionais.
IPOs mais concentrados no início do ano, maior disposição a tomar risco e discussões de alocação para o novo ciclo também ajudam a explicar por que janeiro, em muitos estudos, aparece como um mês estatisticamente favorável.
FOMO, comportamento e o risco de entrar atrasado
Com a bolsa batendo recordes e grandes bancos acumulando altas de 40%, 50% ou até 60% no ano, o investidor que ficou de fora tende a sentir o Fear of Missing Out, o medo de ficar para trás.
“Quem está fora quer entrar, e quem está dentro não quer sair”, traduz Saravalle, adaptando a expressão para o contexto brasileiro.
Segundo ele, é exatamente nesse momento que o investidor corre maior risco de tomar decisões precipitadas: querer migrar rapidamente uma fatia grande da renda fixa para ações, buscar “a próxima ação que vai subir 100%” ou concentrar demais a carteira em papéis que já subiram muito.
A orientação do gestor é clara:
- não entrar de uma vez com o volume total que se pretendia alocar em bolsa;
- começar com uma parcela menor e ir construindo posição ao longo do tempo;
- privilegiar, neste momento, empresas mais previsíveis, resilientes e boas pagadoras de dividendos.
Diversificação e papel dos dividendos: menos glamour, mais consistência
Saravalle defende que o investidor olhe para a carteira como um conjunto coerente, não como um “Frankenstein” de recomendações aleatórias. Exemplo: não faz sentido ter metade do portfólio concentrado apenas em empresas de petróleo, totalmente exposto ao mesmo risco setorial.
Na visão dele, uma boa construção de portfólio passa por três blocos:
- Blue chips: empresas grandes, líderes em seus mercados, com histórico sólido;
- Ações de dividendos: negócios previsíveis, regulados e com histórico de boa distribuição de resultados;
- Small caps: empresas menores ou menos conhecidas, com mais potencial de crescimento, mas também mais volatilidade.
Nesse momento de bolsa em alta, ele sugere começar justamente pelo “chão firme”: empresas de dividendos e negócios mais estáveis, evitando apostas agressivas em small caps que já subiram demais.
Ao comentar o caso de Petrobras, Saravalle trouxe um dado ilustrativo: nos últimos cinco anos, o ganho de capital do papel foi modesto, mas o retorno total ajustado por dividendos foi muito superior. A mensagem, para ele, é direta:
ser acionista é capturar dois vetores – o dividendo e a valorização no longo prazo, não apenas o “trade” de curto prazo.
ETFs ganham espaço como porta de entrada e ferramenta de proteção
Com a variedade de ETFs disponíveis na B3, inclusive voltados a ações de dividendos e estratégias inspiradas em investidores referência, Saravalle vê esses instrumentos como um caminho interessante tanto para quem está começando quanto para quem busca previdência de longo prazo.
Ele destaca que:
- ETFs permitem diversificação instantânea em dezenas de ações com um único código;
- costumam ter custos menores que muitos fundos tradicionais;
- oferecem liquidez de bolsa, com resgate em poucos dias;
- já existem ETFs que replicam estratégias de grandes investidores de dividendos, além de índices temáticos no exterior, como carteiras que acompanham movimentos de bilionários globais.
Para perfis de aposentadoria ou para iniciantes, a combinação de ETFs de dividendos e índices amplos funciona, na visão do gestor, como uma forma eficiente de exposição a ações sem concentração excessiva em poucos papéis.
Rali de Natal: ficar sempre alocado é mais importante que acertar o dia perfeito
Um dos pontos recorrentes da entrevista é a crítica à obsessão por “acertar o timing”. Saravalle menciona estudos que mostram como perder apenas alguns dos melhores dias da bolsa ao longo de alguns anos pode derrubar pela metade o retorno do investidor.
“Quem está ganhando dinheiro na bolsa hoje provavelmente já estava alocado no final do ano passado, mesmo num momento ruim”, observa.
Por isso, ele reforça três ideias:
- Bolsa não é corrida de 100 metros, é maratona de 10, 20, 30 anos.
- Volatilidade não é sinônimo de risco, mas aumenta a sensação de desconforto.
- O segredo é estar sempre exposto, ajustando o nível de risco conforme o momento de vida, mas sem tentar adivinhar o dia exato de entrada ou saída.
Rebalanceamento e “caixa da renda variável”
Com a forte alta de 2025, é natural que a parcela de ações na carteira tenha crescido acima do planejado. Se a meta era ter 30% em renda variável, muitos investidores podem estar hoje com 35% ou 40%, apenas pela valorização dos ativos.
Para Saravalle, este é o momento ideal para:
- realizar parte dos ganhos nas ações que mais subiram;
- voltar à proporção-alvo de renda variável definida no plano;
- manter uma espécie de “caixa da renda variável” – recursos líquidos à espera de oportunidades em momentos de realização de lucros.
Esse caixa é diferente da reserva de emergência. A reserva continua na renda fixa conservadora; o caixa da renda variável é munição para aproveitar correções de mercado sem precisar desmontar outras posições.
Selic menor em 2026–2027: por que o investidor precisa se preparar agora
O olhar de Saravalle vai além do rali de Natal ou do efeito janeiro. Ele destaca que a grande mudança estrutural nos próximos anos tende a ser a trajetória da taxa Selic.
Na avaliação do gestor, 2026 e 2027 devem marcar um ciclo de juros mais baixos do que hoje, ainda altos em termos globais, mas inferiores ao patamar atual. Isso terá impacto direto na atratividade da renda fixa e deve forçar o investidor a repensar a alocação.
“Um problema de banco, e vale para o investidor pessoa física, não se resolve no ano, se resolve dois anos antes”, cita, referindo-se a uma conversa com um CFO de grande instituição financeira. A mensagem é que quem esperar a Selic cair para começar a migrar parte do patrimônio para ativos de risco pode chegar atrasado.
Disciplina, rotina e comportamento: o verdadeiro diferencial
Na parte final do programa, Saravalle volta ao básico: mais do que conhecer conceitos, o que muda o jogo é comportamento.
Entre os recados:
- criar uma rotina mínima de acompanhamento (uma hora por semana ou por mês para olhar a carteira e planejar);
- entender que investir é como uma safra agrícola: não adianta tentar compensar em um único momento o que deveria ter sido feito ao longo do tempo;
- aceitar que haverá períodos de “roer osso” na renda variável, para depois colher os melhores resultados.
“Quem vai determinar o sucesso do seu investimento e da sua liberdade financeira é você”, resume o gestor.
Enquanto o mercado discute se haverá ou não rali de Natal, a mensagem do Papo de Dinheiro vai além do fim de ano: o que realmente diferencia o investidor no longo prazo não é acertar dezembro, é construir, com disciplina, a base de patrimônio que resiste às nevascas e continua de pé quando o “sol” volta a brilhar para a bolsa.















