Em meio a um mercado cada vez mais sofisticado e globalizado, surge um termo ainda pouco conhecido do público, mas muito valorizado por quem lida com grandes transações: o escrow notarial. Essa ferramenta, amplamente usada em países desenvolvidos, começa a ganhar espaço no Brasil como uma forma moderna e segura de garantir que acordos importantes sejam cumpridos sem risco de calote, fraude ou quebra de confiança.
O que é o escrow notarial?
De forma simples, o escrow notarial é um tipo de custódia de recursos financeiros de uma transação, utilizando uma conta supervisionada por um tabelião. A materialização dessa conta notarial no direito brasileiro ocorreu por meio de duas normas fundamentais.
- Primeiro, a Lei 14.711, de 30 de outubro de 2023, conhecida como Marco Legal das Garantias, promoveu uma alteração cirúrgica na Lei 8.935/1994 (Lei dos Notários e Registradores), inserindo o art. 7º-A. Esse dispositivo autorizou expressamente os tabeliães de notas a prestar o serviço de gestão de contas escrow, vinculadas a atos notariais ou a instrumentos particulares.
- Para dar transparência e padronização ao serviço no país, o CNJ editou o Provimento 197, de 13 de junho de 2025, estabelecendo que a segurança patrimonial dos valores depositados na conta notarial será mantida em nome do CNB — Colégio Notarial do Brasil — e não em nome das partes ou do tabelião.
Como funciona em uma negociação imobiliária
Na prática, sabemos que o notário é o “guardião neutro” do negócio. Portanto, ele não defende nenhuma das partes, mas garante que o combinado será cumprido à risca. Esse tipo de operação já é comum em países como Estados Unidos, Reino Unido e França, especialmente em fusões, aquisições e transações imobiliárias milionárias. No Brasil, o instrumento já é adotado principalmente por grandes fundos imobiliários, holdings familiares, fundos de pensão, companhias de capital intensivo, incorporadoras e escritórios de advocacia especializados em grandes contratos.
Imagine a venda de um prédio corporativo avaliado em R$ 100 milhões. O comprador quer ter certeza de que o imóvel está livre de dívidas e será transferido corretamente. Já o vendedor, por outro lado, não quer assinar a escritura sem saber se existem todos os recursos e se realmente será pago.
É aí que entra o escrow notarial. As partes firmam um acordo formal com um tabelião. O comprador deposita o valor de R$ 100 milhões (que, nesse exemplo didático, será à vista) em uma conta de custódia controlada pelo notário. O tabelião, então, verifica a documentação do imóvel, a inexistência de ônus e a regularidade da escritura. Somente depois de tudo confirmado, ele libera o dinheiro ao vendedor. Se algo não estiver certo — como um problema na matrícula ou uma pendência bancária — o valor permanece guardado até que a situação seja resolvida.
O resultado é segurança total para os dois lados. Ninguém entrega nada sem garantias, e o processo ganha transparência e confiança jurídica, algo essencial em negócios de grande porte e uso quase obrigatório em operações complexas.
Por lei, ele é um profissional dotado de fé pública, o que significa que seus atos têm validade jurídica e presunção de veracidade. Além disso, o notário responde civil e criminalmente caso descumpra as condições acordadas. Ou seja, atua como um verdadeiro “árbitro neutro” que assegura o cumprimento fiel do contrato.
Diferentemente de outras formas de garantia — como fiança ou caução — o escrow notarial oferece:
- imparcialidade total, já que o notário não representa nenhuma das partes;
- segurança documental, porque tudo é formalizado por escritura pública;
- sigilo e discrição, especialmente em operações milionárias;
- rapidez e eficiência, sem a necessidade de ações judiciais em caso de descumprimento;
- economia de custos, ao dispensar intermediários financeiros ou garantias adicionais.
Uma ferramenta para poucos, mas que deveria ser para todos
Apesar de suas vantagens, o escrow notarial ainda é restrito a um círculo pequeno e altamente qualificado. Por isso, segue sendo, digamos assim, uma espécie de segredo bem guardado dos grandes negócios.
Países que adotam mecanismos semelhantes têm maior previsibilidade jurídica e um ambiente de negócios mais profissionalizado. Por isso, muitos especialistas defendem que o uso do escrow notarial tende a se expandir à medida que o Brasil avança em governança e transparência nas relações contratuais.
Observação: a conta escrow também é utilizada, além do setor imobiliário, em transações de comércio internacional, fusões e aquisições corporativas (M&A), transações online, operações de crédito e nos mais conhecidos publicamente, os depósitos judiciais.
Em resumo, trata-se de uma ponte de segurança entre duas partes que não podem — e não devem — confiar apenas na palavra, como nos antigos “negócios de boa-fé”, muito menos em expressões como “negócio no fio do bigode” ou “minha palavra vale mais que a minha vida”.
















