Em entrevista ao BM&C Talks, o ex-ministro Aldo Rebelo fez um amplo diagnóstico sobre a Amazônia em 2025, misturando história, geopolítica, segurança nacional e a crise institucional brasileira. Autor do livro “Amazônia – A maldição de Tordesilhas: 500 anos de cobiça internacional”, Rebelo afirma que a região segue no centro da disputa global por minerais, água, biodiversidade e energia, enquanto o Brasil, segundo ele, protege pouco o próprio território.
“A Amazônia é cobiçada antes de ser conhecida”, resume o ex-ministro.
Ele lembra que a disputa sobre o território amazônico remonta ao Tratado de Tordesilhas, de 1494, quando Portugal e Espanha dividiram o mundo em áreas de influência. A presença hoje de Guiana Francesa, Suriname (Guiana Holandesa) e Guiana inglesa na região seria, para Rebelo, um resquício dessa cobiça dos antigos impérios coloniais sobre o Vale do Amazonas hoje, uma das principais fronteiras minerais, florestais e de água doce do planeta.
Amazônia, educação, narrativa e distância do Brasil “real”
Rebelo critica o que chama de “Amazônia da narrativa”, construída por ONGs e parte da academia, e que, segundo ele, substituiu o conhecimento real do território nas escolas brasileiras. Ele lembra que, quando estudava em Alagoas, era obrigado a decorar afluentes do Rio Amazonas e distinguir biomas brasileiros, o que deixou de acontecer com as novas gerações.
“Hoje você tem o Brasil real e o Brasil da narrativa, das ONGs. É isso que vai para as escolas. Como na escola não se ensina mais geografia, ninguém aprende mais nada, infelizmente.”
Para o ex-ministro, essa desconexão entre a população urbana do Sul e Sudeste e a realidade amazônica reforça o espaço para discursos prontos e para uma visão “metafísica” da região, mais ideológica do que prática em termos de desenvolvimento, soberania e geração de renda.
Da esquerda nacionalista à agenda identitária
Ex-líder estudantil, Aldo Rebelo também fez uma autocrítica à trajetória da esquerda brasileira em relação à Amazônia. Ele afirma que o nacionalismo que marcava a militância nos anos 1970 e 1980 foi substituído por uma agenda fragmentada, centrada em identidades. “Ao invés da luta de classes, você passou a lutar por grupos sociais. Você substituiu a ideologia pela biologia.”
Segundo Rebelo, a militância que antes organizava atos “em defesa da Amazônia” sob a bandeira do Brasil passou a priorizar pautas que colocam minorias contra maiorias, o que teria afastado a esquerda do “Brasil profundo”, ainda ligado a valores de família e religião, muitas vezes rotulados de conservadorismo, mas que, na visão do ex-ministro, nascem da necessidade diante da ausência do Estado.
Povos indígenas entre abandono e manipulação
Um dos pontos centrais da entrevista foi a situação dos povos indígenas. Rebelo afirma que os indígenas são hoje vítimas de duas tragédias: abandono do Estado e manipulação internacional.
Ele cita indicadores sociais ruins entre comunidades indígenas na Amazônia, mortalidade infantil, doenças infecciosas, falta de saneamento, água tratada e energia elétrica, para sustentar que a política oficial concentrou-se em demarcar grandes extensões de terra, sem levar infraestrutura básica.
“Ao invés de se dar escola, saúde, infraestrutura, luz elétrica, se deu terra. Você quer obrigar uma comunidade a viver de caça e coleta em pleno século XXI.”
O ex-ministro também denuncia o que considera uso político dos indígenas por interesses estrangeiros. Rebelo narra um episódio em Roraima, quando, presidindo a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, visitou uma área ianomâmi após reportagem do New York Times que acusava militares de abusos. Ao chegar, encontrou uma representante de ONG barrando o acesso de oficiais do Exército à aldeia:
“Ela dizia que eu podia entrar, mas os militares não. Era uma área da União, e eles eram oficiais do Exército brasileiro. Isso é ilegal.”
Para ele, a combinação de abandono material e influência de ONGs financiadas por recursos internacionais cria um cenário de perda de soberania na prática.
Crime organizado, rios sem Estado e fronteira vulnerável
Rebelo descreve a presença do crime organizado na Amazônia como um “governo paralelo”, sobretudo nos rios e áreas de fronteira. Ele relata que, em determinadas regiões, facções já empregam mais gente do que prefeituras e assumem funções típicas de Estado, incluindo “investigar, julgar e executar sentenças” em conflitos locais.
O ex-ministro critica a falta de meios das Forças Armadas e das polícias para patrulhar uma região com 20 mil milhas navegáveis.
“A Marinha tem dois ou três navios para patrulhar tudo isso. As polícias não têm lanchas nem helicópteros. Eles dominaram os rios, por onde transportam drogas.”
Ele lembra a experiência da Operação Ágata, que coordenou quando era ministro da Defesa, reunindo Exército, Marinha, Aeronáutica, polícias, Receita e órgãos ambientais. Segundo Rebelo, quando a operação está em curso, a criminalidade transfronteiriça cai a zero, mas tudo volta ao normal ao fim da mobilização, por falta de continuidade e de vontade política.
ONGs, Fundo Amazônia e poder sem voto
Outro alvo recorrente de Aldo Rebelo são as ONGs ambientais e a governança do Fundo Amazônia. Ele relata que, quando era conselheiro do BNDES e ministro da Ciência e Tecnologia, descobriu que os recursos bilionários do fundo eram administrados por um comitê externo ao governo brasileiro, com forte presença de ONGs e embaixadas estrangeiras, enquanto institutos de pesquisa públicos da Amazônia recebiam pouco ou nada.
“Eu não tinha um centavo do Fundo Amazônia para o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, para o Mamirauá ou para o Emílio Goeldi. É dinheiro para as ONGs.”
Na avaliação de Rebelo, isso explica parte do “fetiche” da classe política com as ONGs: quem tem o dinheiro, ganha influência e prestígio, mesmo sem voto.
Código Florestal, produção e meio ambiente
Relator do Código Florestal aprovado em 2012, Aldo Rebelo fez um balanço crítico da aplicação da lei, especialmente na Amazônia. Ele lembra que, antes do novo código, grande parte da agricultura brasileira estava na ilegalidade, e que a lei buscou regularizar a situação, mas com restrições que considera “absurdas”, como a exigência de manter 80% da área da propriedade como reserva legal na Amazônia.
“Você confisca 80% da área para o meio ambiente e quer que essa propriedade concorra com uma fazenda americana que usa 100% da área. É uma anomalia econômica.”
O texto do Código previa uma revisão cinco anos depois, que nunca ocorreu. Para o ex-ministro, falta aplicar a lei com bom senso, equilibrando proteção ambiental e produção de alimentos.
STF, marco temporal e “pré-anarquia institucional”
Na reta final da entrevista, Aldo Rebelo amplia o foco para a crise institucional em Brasília, que, em sua visão, impacta diretamente o futuro da Amazônia. Ele critica a sequência de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que interferem em competências do Congresso e do Executivo, como o caso do decreto legislativo sobre IOF e, sobretudo, a decisão que derrubou a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas.
“Hoje você tem duas decisões em vigor sobre o mesmo tema: o Supremo revoga o marco temporal, o Congresso aprova uma lei reafirmando o marco temporal. Isso é o retrato da insegurança jurídica e institucional, de uma pré-anarquia.”
Rebelo prevê aumento de conflitos entre indígenas e produtores rurais se não houver uma solução clara e política para o impasse. Na visão dele, em algum momento surgirá um governo disposto a colocar limites à expansão de poderes de órgãos como STF, Ministério Público, IBAMA, FUNAI e ao uso de decretos para criar novas terras indígenas ou unidades de conservação sem participação efetiva do Congresso.
“Com a Amazônia, o Brasil será potência; sem ela, figurante”
Ao projetar o futuro, Aldo Rebelo volta ao ponto central: a Amazônia como ativo decisivo para o Brasil no século XXI. Ele enumera os fatores que tornam a região estratégica:
- Fronteira agrícola e de segurança alimentar;
- Fronteira mineral, incluindo terras raras;
- Fronteira energética;
- Reserva de água doce pronta para uso;
- Maior reserva de biodiversidade do mundo.
“O Brasil com a Amazônia será um país forte, próspero. Sem a Amazônia, nós seremos um figurante no mapa-múndi.”
Para o ex-ministro, a combinação de cobiça internacional, avanço do crime organizado, captura de políticas públicas por ONGs e desorientação institucional em Brasília pode comprometer essa promessa. O desafio, conclui, é recolocar soberania, desenvolvimento e presença efetiva do Estado no centro da agenda para a região, antes que decisões tomadas longe da floresta definam, de forma irreversível, o futuro da Amazônia e do próprio Brasil.












