O protagonismo da China na América Latina deixou de ser uma hipótese para se tornar um movimento concreto de longo prazo. Com investimentos bilionários em petróleo na Venezuela e planos estratégicos para o Brasil até 2032, Pequim vem consolidando sua presença não apenas econômica, mas também política e geopolítica. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos reposicionam sua frota naval no Caribe, reforçando a ideia de que a região se tornou peça de um tabuleiro global de poder.
Nesse contexto, o Brasil responde de forma improvisada: anuncia um pacote de R$ 40 bilhões via BNDES e, ao mesmo tempo, edita uma medida provisória que aumenta impostos sobre inovação, fintechs e crédito. A pergunta central debatida no Painel BM&C é clara: estamos reforçando nossa autonomia econômica ou apenas aprofundando a dependência de potências externas?
A China quer apenas lucro ou hegemonia?
Para o economista Roberto Dumas, não há ingenuidade nos passos de Pequim. Ele explicou que a estratégia chinesa pode ser entendida como “sharp power”, uma forma de exercer poder de influência por meio de capital, crédito e infraestrutura, em vez de exércitos e ocupações. “A China não está rasgando dinheiro. Pode até perder no começo, mas suas estatais funcionam como braço do governo para legitimar o crescimento econômico, que é a única forma de sustentar uma ditadura”, disse Dumas.
O professor Carlos Honorato reforçou a lógica de longo prazo de Pequim, lembrando a metáfora de Henry Kissinger. “O Ocidente joga xadrez, a China joga Go, cercando lentamente os adversários até dominá-los.” Segundo ele, projetos como a ferrovia que conecta o Brasil ao Peru ou os investimentos em portos mostram que o objetivo é facilitar o escoamento de commodities, sobretudo soja, em benefício direto dos chineses.
Dependência brasileira: estamos repetindo erros do passado?
O economista Bruno Musa trouxe uma visão crítica sobre a posição brasileira. Para ele, a carência estrutural em infraestrutura abre espaço para a entrada maciça do capital chinês, mas com efeitos que podem se tornar nocivos. “É praticamente impossível desvencilhar-se deles quando oferecem capital de longo prazo. O problema é que esse dinheiro vem acompanhado de objetivos estratégicos que não são os nossos”, alertou.
Musa lembrou que o Brasil já viveu experiências de dependência com os Estados Unidos e agora corre o risco de apenas trocar de tutor. Ele destacou ainda as fragilidades da própria China que tem um envelhecimento populacional acelerado, queda do consumo interno, deflação e peso excessivo do setor imobiliário, que representa cerca de 25% do PIB. “Apostar todas as fichas num parceiro que enfrenta dificuldades internas pode ser tão arriscado quanto depender de qualquer outro único player”, avaliou.
Quais os riscos de concentrar a balança comercial na China?
Hoje, mais de 40% do superávit comercial brasileiro está vinculado à China. Para Honorato, a situação é vulnerável e lembra a dependência da Europa em relação ao gás russo. “Quando você concentra em um único cliente, corre riscos sérios. O Brasil deveria ter começado a diversificar sua pauta de exportações muito antes”, disse.
Ele ressaltou que não se trata apenas de economia, mas de poder. “Na política, não se busca eficiência, mas manutenção do poder. O Brasil precisa de inteligência estratégica para não cair em armadilhas.” Segundo ele, o país carece de um projeto de longo prazo, pois continua preso a disputas ideológicas e a remendos fiscais improvisados.
- 76 bilhões de dólares investidos pela China no Brasil desde 2007
- 27 bilhões de dólares adicionais previstos até 2035
- 40% do superávit externo brasileiro depende do mercado chinês
Fiscal brasileiro: coerência ou improviso?
Ao lado da discussão geopolítica, os especialistas analisaram a política fiscal interna. Bruno Musa destacou a contradição: enquanto o governo injeta recursos via BNDES, aumenta tributos sobre inovação e fundos. “É como pisar no acelerador e puxar o freio de mão ao mesmo tempo. Isso só gera inflação e obriga o Banco Central a manter juros elevados”, afirmou.
Dumas complementou lembrando que quase metade do crédito no Brasil é subsidiado, o que exige taxas ainda mais altas para conter o impacto inflacionário. Já Honorato apontou que o problema fiscal é estrutural, enraizado desde a Constituição de 1988, que engessou boa parte do orçamento. Sem reformas, o Brasil seguirá refém de soluções populistas de curto prazo.
O risco de uma nota 6 eterna
Na reta final do debate, Paula Moraes perguntou qual seria a nota do Brasil no cenário global. Honorato avaliou que o país tende a buscar apenas o suficiente para “passar de ano”, sem ambição de excelência. “Somos um eterno seis. Não viramos Venezuela, mas também não caminhamos para o nível dos países desenvolvidos”, resumiu.
Musa reforçou que o risco de hiperinflação, como nos anos 80, é hoje improvável, mas não pode ser descartado. O Banco Central independente e alguns arcabouços institucionais criados nos anos 90 ainda funcionam como barreira, mas o populismo fiscal pode corroer essas bases. “Se continuarmos na mesma rota, será a sociedade que pagará com perda de poder de compra”, alertou.
Conclusão: o pragmatismo chinês frente à falta de estratégia brasileira
O debate deixou claro que a China não atua por caridade: cada porto, ferrovia ou financiamento faz parte de uma estratégia maior de hegemonia regional. Para o Brasil, a oportunidade de captar recursos e infraestrutura é inegável, mas o risco de dependência excessiva também. Sem uma visão estratégica nacional, o país se mantém vulnerável e preso a um ciclo de improvisos fiscais e políticos.
Como destacou Paula Moraes no encerramento do programa, o dilema brasileiro é decidir se as medidas de hoje vão garantir autonomia ou perpetuar um ciclo de vulnerabilidade. “Enquanto a China avança com pragmatismo e os Estados Unidos reposicionam suas forças, o Brasil segue sem definir qual é o seu verdadeiro projeto de país.”
 
			



 














