O encontro entre Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva, durante a Assembleia Geral da ONU, levantou questionamentos sobre os reais interesses por trás dos gestos públicos de cordialidade. Trump aplicou o tarifaço contra o Brasil, manteve sanções, mas ao mesmo tempo elogiou Lula. Para o analista Miguel Daoud, essa combinação sugere uma movimentação política típica, cada lado finge ceder, mas na prática busca garantir seus próprios objetivos estratégicos.
Segundo Daoud, o gesto de Trump representa uma oportunidade para o Brasil iniciar um diálogo com os Estados Unidos em meio a tensões comerciais. Por outro lado, o economista ressalta que ainda é cedo para medir os efeitos concretos dessa aproximação. “É da natureza política do ser humano esse tipo de entendimento. É um bom começo, mas não sabemos qual é a real intenção de Donald Trump com esse afago a Lula”, afirmou.
Trump e Lula: quem está enganando quem?
Na visão de Daoud, tanto Trump quanto Lula sabem que têm interesses divergentes. Enquanto o presidente norte-americano busca reforçar sua agenda protecionista e garantir vantagem para a indústria americana, Lula tenta preservar a imagem de um Brasil soberano, sem abrir mão da defesa da democracia e da independência do Judiciário. “Lula deixou claro que não vai negociar democracia, mas está disposto a conversar sobre outros aspectos”, destacou.
Nesse sentido, a relação ganha contornos de pragmatismo. Trump, conhecido por se apresentar como homem de negócios, valoriza líderes que demonstram habilidade em negociar. A postura firme de Lula frente às tarifas foi vista por Daoud como um sinal de resistência que pode ter gerado respeito em Trump, abrindo espaço para uma negociação futura.
Lula volta fortalecido no cenário político?
A repercussão interna também entrou na análise. De acordo com Daoud, o encontro e o elogio de Trump tendem a reforçar a posição de Lula, tanto na política externa quanto na interna. “Ele ficou firme, não cedeu, e isso pode trazer dividendos políticos. Trump fez o mal de uma vez só, aplicando o tarifaço, e agora busca uma acomodação”, avaliou.
Para o analista, o gesto de aproximação mostra que, apesar das tensões comerciais, Trump reconhece a importância do Brasil como parceiro estratégico. Esse reconhecimento pode ser usado por Lula para fortalecer sua narrativa de liderança internacional e, ao mesmo tempo, para consolidar apoio em sua base política doméstica.
O que esperar da relação entre Trump e Lula daqui para frente?
Daoud pondera que o movimento de Trump não deve ser interpretado como uma mudança de alinhamento ideológico, mas como parte de uma estratégia de ajuste. Após impor tarifas pesadas logo no início de seu governo, Trump agora busca “descompressão” para evitar maiores desgastes. Isso inclui encontrar pontos de equilíbrio que permitam aos EUA manter competitividade e hegemonia global sem elevar tensões ao extremo.
Por outro lado, Lula pode se beneficiar do jogo político ao mostrar-se aberto ao diálogo sem renunciar a princípios centrais. “Se fosse para ficar mais negativo do que já está, Trump não faria essa declaração de amor a Lula. Ficaria no combate, mas não foi isso que ocorreu”, observou Daoud. A leitura é de que ambos testam os limites da relação, em busca de vantagens políticas e econômicas.
A relação entre Trump e Lula, marcada por elogios, tarifas e discursos firmes, deve ser lida como um processo de construção política. Cada gesto público carrega uma mensagem calculada, e os próximos meses serão decisivos para entender se essa aproximação renderá frutos práticos ou se permanecerá como um jogo de cena no palco internacional.
O episódio mostra como o equilíbrio entre diplomacia, economia e política interna continua sendo um desafio central nas relações entre Brasil e Estados Unidos, especialmente em um cenário global de endividamento, tensões comerciais e busca por novos arranjos de poder.
