Nesta semana, os Correios anunciaram a primeira fase do plano de reestruturação financeira e operacional, prometendo sustentabilidade e modernização da estatal. Entre as medidas, está a negociação de um empréstimo de R$ 20 bilhões, com garantia do Tesouro Nacional, para equilibrar as contas no biênio 2025-2026 e tentar gerar lucro a partir de 2027.
Mas a ironia é inevitável: o valor do empréstimo é superior ao valuation estimado da própria empresa. Em outras palavras, o governo pretende emprestar mais dinheiro para os Correios do que o que a própria estatal vale. Parece absurdo? Trata-se de uma equação que, em qualquer companhia privada, seria vista como temerária, mas que, no setor público brasileiro, é apresentada como “estratégia de modernização”.
Como foi feita a análise dos Correios?
Para entender melhor o tema, o economista VanDyck Silveira, elaborou uma análise inédita que compara o desempenho dos Correios do Brasil com gigantes globais da logística, como FedEx, UPS e DHL, utilizando dados acumulados do primeiro semestre de 2025. O estudo, apresentado com exclusividade à BM&C News, expõe a diferença entre a estatal brasileira e as líderes internacionais, tanto em eficiência operacional quanto em valor de mercado.
Enquanto FedEx, UPS e DHL exibem margens líquidas positivas e retorno consistente aos acionistas, os Correios operam com um prejuízo equivalente a 23,9% da própria receita. A situação é agravada pelo fato de que o governo estuda conceder um empréstimo superior ao valuation estimado da estatal, calculado em apenas US$ 2,4 bilhões.
Para o comparativo, Silveira utilizou o câmbio médio de R$ 5,60 por dólar e converteu os resultados financeiros de todas as companhias para dólares americanos. A análise contemplou quatro variáveis centrais: receita, estrutura de custos, margem líquida e valuation. O objetivo foi medir a competitividade dos Correios frente aos padrões globais de performance logística e financeira.
Segundo o economista, o método combinou avaliação DCF e múltiplos EV/EBITDA, permitindo uma estimativa comparável entre empresas públicas e privadas. “Enquanto as líderes mundiais operam com margens acima de 9%, os Correios consomem recursos públicos para sustentar uma operação tecnicamente falida”, afirma Silveira no estudo.
Correios e empresas internacionais: comparativo de receita e custos – acumulado 1S 2025 (US$ bilhões)
Empresa | Receita | Custo de Serviços | G&A | Financeiras | Lucro/Prejuízo |
---|---|---|---|---|---|
FedEx | 43,90 | 25,63 | 5,55 | 1,20 | 4,10 |
UPS | 42,77 | 23,45 | 13,71 | 2,12 | 5,90 |
DHL | 41,20 | 26,50 | 10,50 | 1,20 | 3,80 |
Correios (Brasil) | 1,59 | 1,78 | 0,61 | 0,12 | -0,38 |
Os dados mostram que os Correios gastam mais do que arrecadam em serviços, com custos de 111,9% da receita, além de despesas administrativas elevadas. As líderes globais, por outro lado, exibem um modelo enxuto e rentável, com custos abaixo de 65% do faturamento e margens líquidas entre 9% e 14%.
Custos e Resultado como % da Receita – 1S 2025
Empresa | Custo Serviços (%) | G&A (%) | Financeiras (%) | Margem Líquida (%) |
---|---|---|---|---|
FedEx | 58,4% | 12,6% | 2,7% | 9,3% |
UPS | 54,9% | 32,1% | 5,0% | 13,8% |
DHL | 64,3% | 25,5% | 2,9% | 9,2% |
Correios (Brasil) | 111,9% | 38,4% | 7,5% | -23,9% |
Valuation Comparado – 2025 (US$ bilhões)
Empresa | Receita Anual Est. | EBITDA Est. | Múltiplo | Valuation Est. | Método |
---|---|---|---|---|---|
FedEx | 87,93 | 10,6 | 7,7x | 81,6 | EV/EBITDA |
UPS | 91,10 | 11,9 | 7,5x | 89,3 | EV/EBITDA |
DHL | 84,20 | 9,5 | 7,0x | 66,5 | EV/EBITDA |
Correios (Brasil) | 3,18 | 0,66 | 4,0x | 2,4 | DCF/Múltiplos |
O dado mais alarmante não está apenas no prejuízo recorrente, mas no fato de que o empréstimo público em negociação supera o valor de mercado da própria estatal. Em outras palavras, o governo pretende injetar mais dinheiro do que os Correios efetivamente valem. O paradoxo expõe um problema estrutural: o país segue financiando uma operação deficitária em vez de reavaliar sua viabilidade econômica.
Um abismo de eficiência e valor
Enquanto FedEx, UPS e DHL operam com receitas entre US$ 84 e 91 bilhões e margens positivas, os Correios somam prejuízo recorrente, baixa produtividade e dependência do Tesouro Nacional. O contraste não é apenas de escala é de modelo de gestão.
Silveira afirma que a estatal vive uma “falência operacional disfarçada” e alerta que o aporte público proposto “é um equívoco que transfere o custo da ineficiência para o contribuinte”.
A racionalidade ignorada
O estudo encerra com uma provocação direta à política econômica do governo. “Privatizar não é uma escolha ideológica”, escreve Silveira. “É uma imposição da racionalidade econômica e do respeito ao dinheiro público.”
No centro da análise, permanece a pergunta que ecoa entre economistas, investidores e consumidores: faz sentido emprestar mais dinheiro a uma empresa cujo valor de mercado é menor do que o próprio empréstimo?