O Money Report desta semana, comandado por Aluízio Falcão, reuniu Rafaela Rezende, da VTEX, João Campos, da Seara, Paulo Corrêa, da C&A e a especialista Ana Paula Tozzi, da AGR Consultores, para discutir como a IA já está redesenhando a competitividade do varejo e de bens de consumo. O debate partiu de uma pergunta simples e poderosa sobre o impacto da tecnologia em lojas físicas e no comércio digital. As respostas convergiram para a ideia de que a inteligência artificial cruza toda a cadeia de valor e aumenta produtividade, assertividade e velocidade de execução.
Além disso, os convidados destacaram que a transformação depende menos de acesso a ferramentas e mais de preparo organizacional. Dados bem estruturados, governança e times treinados se tornaram os alicerces da diferenciação. Por outro lado, o grupo reforçou que o papel humano não perde importância. A curadoria, a empatia no atendimento e a leitura de contexto, seguem essenciais para converter tecnologia em experiências relevantes e resultados de negócio sustentáveis.
IA no varejo: dados unificados e personalização em escala
Rafaela Rezende explicou que a era da IA encerra o antigo trade off entre escala e personalização. Quando a marca centraliza informações do cliente em uma camada única e segura, torna-se possível personalizar de forma escalável em todos os canais. Nesse sentido, a onmicanalidade deixa de ser um slogan e avança para um desenho de arquitetura que entrega sinais em tempo quase real para site, app, televendas, vendedor da loja e representante B2B. O cliente deixa de ser visto como cliente do canal e passa a ser cliente da marca.
Enquanto isso, um gargalo recorrente é a latência informacional. Muitas empresas até capturam eventos de jornada, porém demoram dias para levá-los ao ponto de contato correto. A convidada defendeu colocar o dado certo no lugar certo no momento da decisão. A busca semântica e a recomendação por intenção exemplificam esse movimento. O consumidor expressa um objetivo e a vitrine se reorganiza a partir de contexto e disponibilidade, reduzindo atrito e elevando a taxa de conversão.
Reação diferente para a mesma informação
Paulo Corrêa argumentou que as ferramentas podem ser parecidas, mas a vantagem nasce da reação de cada companhia aos mesmos sinais. A forma como dados são interpretados e traduzidos em ofertas, repertório visual e abordagens de vendedor cria relacionamentos únicos. Por outro lado, quando a base de dados está fragmentada, multiplicam-se ofertas fora de contexto e contatos que ignoram histórico recente, o que corrói a experiência. O antídoto é simples e difícil ao mesmo tempo. Arrumar a casa de dados antes de acelerar projetos espetaculares.
Além disso, o executivo destacou usos analíticos que superam a capacidade humana. Algoritmos de precificação observam o interesse por produto e por loja ao longo do tempo e permitem políticas locais com granularidade fina. O melhor analista não processaria tantos vetores diariamente. A máquina amplia o alcance do julgamento humano e libera pessoas para decisões de portfólio, narrativa e exposição que pedem intuição e repertório de marca.
Produtividade no campo e no ponto de venda
João Campos apresentou frentes aplicadas na Seara que conectam milhões de consumidores a centenas de milhares de pontos de venda. A companhia já utiliza assistentes internos que entregam ao vendedor recomendações específicas por rota e por loja. Em vez de uma lista genérica com dezenas de itens, o profissional recebe poucos itens de maior propensão, o que rende visitas mais produtivas e pedidos mais aderentes ao perfil local. O mesmo raciocínio vale para campanhas sazonais que aprendem com a base e aceleram a tração nas primeiras semanas.
Enquanto isso, a inteligência também encurta o ciclo de inovação. A leitura de tendências, o desenho de produtos e a projeção de demanda migram do macro para microgrupos. A cadeia captura sinais de consumo, logística e abastecimento e transforma tudo em ajustes frequentes. O resultado combina menos desperdício, giro melhor de estoque e narrativas de ocasião mais certeiras. O executivo sugeriu uma cadência de implementação incremental. Consolidar uma frente, medir impacto e só então abrir a próxima frente.
IA vai substituir a experiência humana
A resposta do painel foi um não qualificado. A automação tende a assumir transações repetitivas e previsíveis, liberando tempo para a experiência que cria vínculo. A prova aparece em jornadas que pedem sensorialidade, experimentação e conversa consultiva. Moda e alimentação são exemplos clássicos. O encantamento de provar um look ou montar uma ocasião gastronômica envolve emoção e repertório cultural que a máquina ainda não domina de ponta a ponta. Ao mesmo tempo, agentes autônomos ganharão espaço para resolver compras simples de ponta a ponta sem atrito.
Nesse sentido, a convivência entre humanos e máquinas deve se tornar mais natural. Agentes digitais conversarão entre si para reservar serviços, orçar itens recorrentes e antecipar necessidades com base na agenda e no histórico do usuário. O humano direciona, define preferências, treina o agente e supervisiona exceções. A máquina executa com escala, precisão e velocidade. A combinação promete devolver tempo ao consumidor e ao vendedor para o que realmente importa.
Customer service como novo branding
Rafaela defendeu uma virada de mentalidade sobre atendimento ao cliente. A prioridade não deve ser cortar custo em primeiro lugar. A prioridade deve ser resolver o problema rapidamente com empatia e consistência. A IA viabiliza serviço contínuo e respostas em tempo quase real, o que permite que a maior parte das demandas seja solucionada sem filas nem transferências. Quando bem orquestrado, o pós venda reduz churn, aumenta retenção e vira ativo reputacional. Histórias de problemas resolvidos com respeito e velocidade geram recomendação espontânea.
Além disso, o painel criticou chatbots pouco treinados que empurram caminhos rígidos e escondem a opção de falar com uma pessoa. O desenho de fluxo precisa considerar intencionalidade, linguagem natural e rotas de escape claras. Atendimento que ouve, explica e se responsabiliza cria memória positiva e cresce lifetime value. É o tipo de ganho que conversa com finanças. Reter custa menos do que adquirir e clientes defendem marcas que os defenderam quando algo deu errado.
A promessa de omnicanalidade ainda não cumpre seu potencial em boa parte do mercado. O vendedor precisa enxergar o que o cliente olhou no site minutos antes e o site precisa refletir o que ocorreu na loja na mesma tarde. Informação de ontem ajuda pouco a resolver o incômodo de agora. O caminho passa por arquitetura orientada a eventos, baixa latência, CDP para unificar perfis e conectores que devolvam sinais rapidamente aos pontos de contato. Com essa base, a personalização deixa de ser promessa e vira rotina operacional.
Como priorizar projetos de IA sem se perder
O painel sugeriu uma regra simples. Definir objetivos de negócio mensuráveis e organizar o backlog por impacto e viabilidade. Conversão, ruptura, giro e NPS entram como bússola. A indústria costuma avançar mais depressa por contar com mais verba e dados estruturados. Já o varejo acelera quando investe na base informacional e treina times para usar recomendações com accountability. A combinação cria ciclo virtuoso. Cada entrega mede impacto, realimenta o aprendizado e sustenta a próxima iteração.
Quais passos práticos ajudam a escalar IA:
- Unificar perfis em uma fonte confiável com governança e consentimento claros
- Reduzir latência para aproximar a decisão do momento da jornada
- Treinar times para interpretar recomendações com métricas de conversão e margem
- Desenhar atendimento que encante primeiro e economize depois com automação resolutiva
- Medir cada entrega e expandir somente após consolidar resultados
O Money Report entregou um diagnóstico maduro sobre a IA no varejo. A tecnologia amplia a capacidade analítica, executa com escala e libera pessoas para a curadoria, o design de experiências e a criação de histórias que conectam marca e consumidor. Nesse sentido, dados, processos e pessoas precisam operar em sincronia para transformar intenção em valor. Quando a arquitetura sustenta personalização em tempo quase real, a loja e o digital finalmente conversam a mesma língua e o cliente sente a diferença na hora de decidir.