No Brasil a escola ensina a ler, a escrever e a resolver equações complexas, mas falha em ensinar algo essencial: como lidar com o dinheiro. E, talvez mais grave, como lidar com o próprio desejo. O psicanalista Junior Silva defende que o problema da educação financeira no país não é apenas técnico ou econômico, mas profundamente emocional. “O Brasil forma excelentes profissionais, mas poucos seres humanos preparados para administrar os recursos que conquistam”, afirma.
Em um país onde o consumo é frequentemente sinônimo de status, a ausência dessa formação se reflete em endividamento, impulsividade e frustração. “O brasileiro consome o que não precisa, com o dinheiro que não tem, para impressionar quem não se importa”, provoca Junior. Para ele, esse comportamento é resultado de um processo que começa cedo, ainda na infância, quando confundimos afeto com presente, sucesso com aparência e valor com aprovação.
Por que a educação financeira é também emocional?
Segundo o psicanalista, o dinheiro é um dos símbolos mais poderosos da sociedade moderna. “Na psicanálise, o dinheiro é símbolo de poder, de liberdade e, muitas vezes, de amor. Ele é o substituto inconsciente do afeto que faltou”, explica. Assim, quem não aprende a lidar com as próprias emoções tende a ter dificuldade em lidar com o próprio dinheiro. A impulsividade financeira, muitas vezes, é uma tentativa de preencher vazios emocionais.
Além disso, o déficit de educação financeira revela o quanto o país ainda carece de uma alfabetização emocional. A falta de planejamento e o imediatismo mostram uma sociedade que não aprendeu a lidar com o limite. “Nos falta a capacidade de adiar a recompensa, de planejar o futuro sem perder o presente e de entender que riqueza não é o quanto se tem, mas o quanto se conserva, inclusive emocionalmente”, reforça Junior.
O que falta para formar uma geração financeiramente consciente?
Para o especialista, a verdadeira mudança começa na base da educação. Ensinar a poupar é importante, mas insuficiente. É preciso ensinar o indivíduo a compreender o próprio desejo, a diferenciar necessidade de carência e a perceber que gastar pode ser um ato de fuga, enquanto investir é um ato de maturidade. “Educar financeiramente é ensinar a pessoa a se relacionar com o próprio desejo. É ajudá-la a reconhecer o que a move, o que a sabota e o que a aprisiona”, afirma.
Nesse sentido, o país precisa reformular sua abordagem educacional, tornando o aprendizado financeiro uma ferramenta de autoconhecimento. Não basta ensinar juros compostos e planilhas de orçamento se o aluno não entende por que gasta o que gasta. Enquanto o Brasil não incluir essa dimensão emocional na formação das novas gerações, continuará repetindo o ciclo da escassez.
O papel da educação financeira no ciclo da escassez?
Junior Silva aponta que o primeiro passo é reconhecer que o problema não está apenas na renda, mas na relação com o dinheiro. “A maioria das pessoas acredita que vai resolver seus problemas ganhando mais, mas o verdadeiro desafio está em aprender a conservar o que se ganha”, observa. Esse processo envolve autoconhecimento, disciplina e uma reeducação emocional que precisa ser estimulada desde cedo.
Por outro lado, é fundamental que as políticas públicas também reflitam essa urgência. A inclusão de disciplinas voltadas à educação financeira nas escolas é um avanço, mas o conteúdo precisa ir além da matemática financeira. Ele deve abordar temas como consumo consciente, autocontrole, responsabilidade e propósito. Afinal, não se trata apenas de ensinar a economizar, mas de formar indivíduos capazes de tomar decisões financeiras alinhadas aos próprios valores.
O dinheiro como espelho da alma
O psicanalista conclui que o modo como lidamos com o dinheiro revela quem realmente somos. “A educação financeira é, antes de tudo, educação emocional. Quando aprendemos a lidar com o dinheiro, estamos aprendendo a lidar conosco”, resume. Essa visão amplia o debate e propõe uma reflexão urgente: será que o Brasil está educando para o consumo ou para a consciência?
Enquanto a resposta não for a segunda, o país continuará formando gerações que sonham com prosperidade, mas vivem repetindo os mesmos padrões de escassez. Talvez o grande desafio da educação brasileira não seja apenas ensinar a ganhar dinheiro, mas ensinar a não se perder nele.