O endividamento das famílias brasileiras atingiu o maior nível desde o início da série histórica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Em agosto, 78,8% das famílias declararam estar endividadas — o maior percentual já registrado desde 2010, quando a pesquisa começou. Já a inadimplência alcançou 30,4%, também recorde, indicando um aumento de 0,3 ponto percentual em relação a julho. Os dados fazem parte da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada mensalmente pela CNC.
O avanço atinge especialmente as famílias de baixa renda, com ganhos de até três salários mínimos, grupo em que o endividamento ultrapassa os 81%. A CNC destacou que a combinação de inflação persistente, juros elevados e renda comprimida tem ampliado o comprometimento das famílias com dívidas, sobretudo no cartão de crédito, modalidade que continua sendo a principal fonte de endividamento no país.
Crédito abundante, mas mal utilizado
Para a economista e CFO da SAS Brasil, Adriana Melo, o recorde de inadimplência “não nasce da falta de crédito, mas da sua má utilização”. Ela observa que o crédito continua farto e acessível, mas funciona como uma anestesia temporária para um problema estrutural: o descompasso entre renda e custo de vida.
“O crédito se alonga, o juro encarece e o endividamento se perpetua”, explica Adriana. Segundo ela, os brasileiros convivem com dois níveis de desequilíbrio — um doméstico, marcado pela falta de planejamento financeiro e o uso do cartão de crédito para despesas básicas, e outro econômico, em que o poder de compra é corroído pela inflação e pelos juros altos. “O país perdeu a gordura fiscal e emocional que sustentava o desequilíbrio. A conta chegou e não cabe no orçamento.”
Quando o juro vira armadilha
Com o crédito caro e as taxas de juros em dois dígitos, o que deveria ser uma ferramenta de alívio financeiro se torna um ciclo de endividamento difícil de romper. “Com juros altos, o crédito deixa de ser ferramenta e vira armadilha”, diz Adriana.
O cenário de endividamento doméstico também pressiona a economia real. O consumo das famílias, principal motor do PIB, perde força à medida que a renda disponível diminui. “Quando as famílias vivem endividadas, o país também perde fôlego”, avalia Adriana. Ela traça um paralelo entre o comportamento financeiro individual e a gestão pública: “O governo repete o mesmo erro das famílias — em vez de cortar custos, amplia gastos e aumenta tributos.”
Esse ciclo, segundo a economista, alimenta a inflação e força a manutenção de juros altos, o que por sua vez agrava o custo do crédito. “Mesmo com o desemprego em baixa, a inflação de serviços mostra que o poder de compra está corroído”, acrescenta.
Educação financeira e mudança de cultura
A especialista defende que a educação financeira deve ir além de planilhas e cálculos. “Educação financeira não se ensina apenas com números, mas com exemplos reais”, pontua. Ela ressalta que o tema deve ser incorporado à cultura familiar e corporativa: “Nas famílias, começa quando os pais mostram que poupar é liberdade, não punição. Nas empresas, quando o RH entende que saúde financeira é parte da saúde mental.”
Para Adriana, buscar ajuda antes de recorrer a novos empréstimos é uma atitude de responsabilidade, e não de fraqueza. “Enquanto o dinheiro for tratado como tabu, ele seguirá sendo o vilão das conversas e o herói dos arrependimentos”, conclui.
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