A liquidação extrajudicial do Banco Master, decretada pelo Banco Central em 18 de novembro, abriu uma nova fase de incertezas para o sistema financeiro brasileiro. A medida, que paralisa completamente as operações da instituição e transfere sua administração para um liquidante indicado pelo BC, levanta questões sobre os critérios que levam à intervenção, a responsabilidade dos antigos gestores, os riscos para os credores e o caminho até a retirada definitiva do banco do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
Para esclarecer esse processo, a BM&C News ouviu dois especialistas em direito empresarial, recuperação e falências: Rafael Luzzin, sócio do Benites Bettim Advogados, e Antonio Carlos Verzola, advogado e especialista em Direito Empresarial e Mercado de Capitais, e sócio da BBMOV Advogados, ambos com experiência direta em processos de liquidação de instituições financeiras.
Por que o Banco Central decreta a liquidação extrajudicial
A liquidação extrajudicial é o passo mais drástico previsto na Lei 6.024/1974, acionado somente quando não há mais condições seguras de continuidade das operações de um banco.
Segundo Rafael Luzzin, a medida só é adotada quando ficam comprovados cenários graves, como:
- Insolvência ou incapacidade de honrar compromissos;
- Violação relevante das normas do sistema financeiro;
- Prejuízos acumulados que coloquem os credores em risco anormal;
- Descumprimento de deveres após perda da autorização de funcionamento.
Antes disso, o BC tenta alternativas menos severas, como exigências prudenciais, ajustes de gestão ou intervenção. “A liquidação é sempre a última etapa. É uma medida de proteção ao público e de preservação da estabilidade do mercado”, explica Luzzin.
Antonio Carlos reforça que o Ato do Presidente do BC nº 1.373, que decretou a liquidação extrajudicial do Master, fundamenta-se justamente nas duas causas mais graves previstas em lei: comprometimento da situação econômico-financeira e violação das normas aplicáveis.
O que acontece imediatamente após a liquidação extrajudicial?
Com a decretação da liquidação:
- O banco para de operar na hora;
- Um liquidante nomeado pelo BC assume a gestão;
- Inicia-se o levantamento detalhado de ativos, passivos, contratos, carteiras e contingências;
- Todos os ex-administradores, incluindo o controlador, têm seus bens tornados indisponíveis;
- É montada uma Comissão de Inquérito, que apura as causas da liquidação, eventuais irregularidades e responsabilidades.
Os contratos de trabalho são rescindidos, permanecendo apenas funcionários essenciais ao processo.
Como é feito o pagamento dos credores?
O liquidante elabora um quadro geral de credores, seguindo a ordem legal da Lei de Falências:
- Despesas da própria liquidação;
- Trabalhistas;
- Credores com garantia real;
- Fiscais;
- Quirografários (sem garantia);
- Subordinados.
Os especialistas alertam que é comum haver passivo a descoberto, especialmente em casos nos quais há suspeita de irregularidades ou má gestão, situação semelhante ao que vem sendo noticiado no caso do Banco Master.
Se a massa liquidanda não for suficiente para quitar as dívidas, o BC encaminha o relatório da Comissão de Inquérito ao Ministério Público e ao Judiciário para abertura de Ação Civil Pública de responsabilização, podendo resultar em sanções civis, administrativas e penais aos antigos gestores.
Quando o FGC entra em ação
Com a liquidação extrajudicial, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) passa a atuar na proteção de depositantes até o limite legal de R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, considerando o teto por instituição e conglomerado.
Para que o fundo inicie o pagamento:
- O liquidante envia ao FGC a base de dados completa dos credores elegíveis;
- O FGC valida as informações;
- É disponibilizada a consulta e o início dos ressarcimentos.
Até que isso ocorra, todos os clientes permanecem temporariamente sem acesso aos recursos.
O caminho até a retirada do SFN e a possibilidade de falência
A liquidação se encerra quando:
- os ativos são realizados,
- os passivos quitados na medida do possível,
- o relatório final do liquidante é aprovado pelo BC,
- e o banco é formalmente excluído do Sistema Financeiro Nacional.
Mas, segundo os especialistas, a etapa final mais comum é outra: a decretação de falência caso a massa liquidanda não cubra os passivos, o que tende a acontecer na maioria das liquidações extrajudiciais. Nesse ponto, o processo passa ao Judiciário e se prolonga por anos.
Há padrões entre o caso Master e liquidações extrajudiciais anteriores?
Para os especialistas, sim e muitos.
Luzzin cita um “ciclo conhecido” em bancos que chegam à liquidação:
- Governança falha
- Controles internos frágeis
- Riscos elevados e mal mensurados
- Operações pouco transparentes
- Concessões de crédito questionáveis
- Registros contábeis inconsistentes
Ele lembra o caso do Banco Neon (2018), liquidado pela combinação desses fatores. “O que se observa agora no caso do Banco Master segue uma lógica semelhante”, afirma.
Antonio reforça: “As causas sempre são as mesmas. As instituições liquidadas invariavelmente apresentam modelos de negócio frágeis e com falhas estruturais de governança”.
Para o sistema, o Master não é só um caso isolado, é um alerta
A liquidação do Master chega em um momento de maior atenção a bancos médios, fundos de pensão e riscos de crédito. Para os especialistas, o caso deve acelerar:
- Discussões sobre a supervisão do BC;
- Regras de governança;
- Critérios de investimento de fundos de previdência;
- Revisão do papel e dos limites do FGC.
Mas o ponto comum entre ambos é claro, a liquidação do Banco Master deve ser vista como um marco regulatório e um alerta pedagógico para todo o sistema
















