O BM&C Strike recebeu o economista e doutor em Relações Internacionais, Igor Lucena, para discutir como o crime organizado migrou de grupos armados para estruturas empresariais que operam com caixa, contabilidade, postos de combustíveis e influência política. A leitura proposta por Lucena é que o fenômeno já impacta a atividade econômica, a arrecadação e a confiança de investidores. Além disso, o entrevistado argumenta que a falta de coordenação entre níveis de governo amplia brechas legais e regulatórias que viabilizam a expansão dessas redes.
Partindo do caso do Rio de Janeiro, Lucena traça paralelos com episódios vividos por Colômbia e Itália em décadas passadas. Na visão dele, capitais brasileiras já convivem com territórios onde grupos criminosos definem quem entra e quem sai, condicionando regras de convivência e de mercado. Nesse sentido, a economia formal disputa espaço com cadeias ilícitas que operam logística, financiamento e venda de bens e serviços, o que gera competição desleal, queda de arrecadação e desorganização produtiva.
Onde o Estado recua o crime preenche o vácuo
Segundo Lucena, há setores diretamente afetados por práticas de lavagem, sonegação e cartelização. Ele cita combustíveis em São Paulo, serviços urbanos e casos de uso indevido de instrumentos financeiros que abalam a credibilidade de fundos e plataformas. Por outro lado, a reação do poder público tem sido irregular. Falta padronização de políticas, instrumentos ágeis de perícia financeira e uma estratégia nacional que integre polícias, Ministério Público, Receita e órgãos de inteligência.
O economista enfatiza que o problema também é federativo. Crimes em São Paulo diferem dos do Ceará e estes diferem dos do Sul. A legislação penal uniforme acaba ineficiente diante de realidades tão distintas. Para ele, ampliar a competência dos estados na formulação de normas criminais e procedimentais traria incentivos para soluções locais mais efetivas, com métricas de desempenho e comparação de resultados entre unidades da federação.
O Brasil caminha para um narcoestado
Lucena considera exagerado afirmar que o país já se tornou um narcoestado. Ainda assim, reconhece sinais preocupantes. Prefeituras podem ser capturadas por financiamento ilícito de campanhas e, quando o crime elege representantes, a capacidade de resposta se deteriora. Enquanto isso, investidores estrangeiros reavaliam riscos e podem redirecionar capital para vizinhos que avançam em cooperação internacional de segurança. Argentina, Uruguai e Paraguai são citados como exemplos de coordenação recente com agências dos Estados Unidos.
Há também efeitos macroeconomicamente relevantes. A presença de dinheiro ilícito pressiona por mais regulação e custos de compliance, reduzindo agilidade de fintechs e encarecendo crédito e pagamentos. Além disso, a economia perde produtividade quando a competição passa a ocorrer com bases assimétricas. Empresas formais pagam impostos e seguem regras, enquanto concorrentes infiltrados no crime operam com vantagens indevidas.
Quais políticas podem conter o avanço do crime econômico?
O entrevistado defende medidas duras, porém ancoradas em eficiência institucional e segurança jurídica. Abaixo, um conjunto de frentes que, segundo a análise, pode elevar o custo do crime e reduzir suas margens de operação
- Expropriação célere de ativos de origem ilícita com leilão e retorno ao mercado formal;
 - Integração de bases de dados fiscais e financeiras para rastrear redes de notas frias e créditos fictícios;
 - Fortalecimento de perícia contábil e financeira com equipes dedicadas e metas de produtividade;
 - Cooperação internacional de inteligência com os Estados Unidos e forças de fronteira;
 - Ajustes federativos que permitam respostas legais específicas por estado;
 - Adoção de revisão de gastos públicos em larga escala com comissões técnicas independentes;
 - Indicadores de desempenho para segurança pública com metas regionais e transparência.
 
O que muda para investimento e crescimento
Lucena avalia que o mercado ainda não precificou de forma ampla o risco de criminalidade sobre decisões de investimento. Contudo, imagens de violência e notícias recorrentes afetam turismo, varejo, tecnologia e serviços. Em paralelo, o investimento estrangeiro de longo prazo mostra menor apetite por projetos greenfield. Empresas já presentes tendem a reinvestir, enquanto novos entrantes comparam ambiente regulatório, segurança e logística e podem optar por outros destinos da região.
O quadro se agrava quando o debate fiscal se mistura com o tema. Quanto maior a ineficiência do gasto público, maior a pressão por arrecadação e regulação. Nesse sentido, sem coordenação e execução rápidas, políticas bem intencionadas elevam custos transacionais, retraem iniciativas privadas e ampliam o espaço para economias criminais, que exploram justamente gargalos de fiscalização e interstícios legais.
Contrato social e rumo institucional é possível virar o jogo
O diagnóstico do BM&C Strike aponta para um desafio institucional. O país precisa recompor o contrato social que troca impostos por serviços eficientes de segurança, justiça e prosperidade. Isso requer metas claras, cronogramas e responsabilização de gestores. Requer também cooperação internacional, coordenação intergovernamental e coragem legislativa para atualizar procedimentos penais, preservar garantias e tornar a resposta mais rápida e previsível.
Ao final, a mensagem de Igor Lucena é direta. O crime organizado já opera como player econômico, influencia preços, empregos e receitas e entra no cálculo de risco de investidores. O Brasil tem capacidade para reverter o quadro com desenho institucional adequado, integração de inteligência e punição efetiva de redes ilícitas. Enquanto isso não ocorre, o custo de oportunidade aumenta e a sociedade paga uma fatura que não aparece integralmente no PIB, mas que corrói crescimento, confiança e liberdade de empreender.