Um levantamento do Movimento Orçamento Bem Gasto revelou um dado preocupante sobre o comportamento fiscal no Brasil. Entre 2011 e 2025, apenas 21% das propostas com impacto nas contas públicas apresentadas no Congresso incluíram estimativas de custo, descumprindo a exigência básica da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O resultado expõe uma prática recorrente de formulação de políticas sem cálculo de impacto financeiro, o que contribui para o aumento da dívida e fragiliza a credibilidade da gestão pública.
De acordo com o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, o número surpreende. Para ele, o normal seria encontrar um percentual menor, já que a cultura fiscal brasileira raramente se baseia em avaliações técnicas. “O Congresso faz medidas fiscais com a intenção de aumentar o gasto, mas sem nenhuma percepção do que é o custo e o benefício disso para a sociedade. Essa falta de prática se repete há muito tempo e não há sinais de mudança”, afirmou.
A falta de estimativas de custo e os riscos para o fiscal
Mesmo após mais de duas décadas de vigência da LRF, que obriga o cálculo prévio de impacto orçamentário e financeiro para novas despesas, a regra continua sendo ignorada. Segundo Vale, muitos programas públicos e benefícios tributários não resistem a uma análise mais profunda de retorno econômico. “Grande parte das propostas simplesmente não para em pé. São medidas com gasto de curto prazo e benefício também de curto prazo, mas sem retorno garantido de longo prazo. Se o Congresso fizesse esse trabalho de pensar à frente, veria que muitas dessas ideias não fazem sentido econômico”, explicou.
Nesse sentido, o economista destaca que o problema não se limita à omissão técnica, mas à lógica política que prioriza resultados imediatos. “As propostas ganham força porque geram impacto eleitoral, não porque são sustentáveis. A cultura política brasileira ainda valoriza o efeito de curto prazo em detrimento da responsabilidade de longo prazo”, complementou.
Responsabilidade compartilhada entre Executivo e Legislativo
O levantamento indica que tanto o Executivo quanto o Legislativo são responsáveis pela ampliação de gastos sem mensurar o impacto nas contas públicas. Para Vale, o problema é estrutural. “O impacto é conjunto, especialmente por essa ideia, nos últimos dez anos, de um Legislativo mais agressivo com as emendas. Muitas delas não têm sequer fiscalização. O TCU tem dificuldade de identificar como esse dinheiro está sendo gasto e se ele é efetivo”, observou.
Além disso, o economista chama atenção para a falta de mecanismos permanentes de avaliação de políticas públicas. “O Executivo deveria liderar esse processo de revisão. Há um início de trabalho no Ministério do Planejamento, focado em gastos tributários, mas isso precisaria ser ampliado. O Congresso, por sua vez, tem equipes qualificadas que poderiam ser usadas para análises econômicas consistentes, o que raramente ocorre”, destacou.
O papel das eleições no aumento do populismo fiscal
O comportamento fiscal do país tende a piorar em períodos eleitorais, quando o apelo político de novos programas se sobrepõe à sustentabilidade orçamentária. “Certamente o ano eleitoral piora tudo. Estamos vendo isso acontecer agora com programas sociais ligados ao setor imobiliário, crédito consignado, isenção de imposto de renda e várias outras iniciativas que não têm avaliação concreta de efeito”, afirmou Vale.
De acordo com ele, o populismo fiscal está enraizado nas instituições. “O problema é que há uma pressão constante para atender demandas sociais sem medir consequências. Isso mina a credibilidade fiscal e impede o país de planejar políticas públicas com retorno de longo prazo. O resultado é um Estado que gasta mais, entrega menos e acumula dívidas crescentes”, avaliou.
O Brasil caminha para uma nova crise da dívida?
Para o economista da MB Associados, o cenário fiscal já inspira preocupação. “A crise da dívida já está dada. A dívida deve ultrapassar 80% do PIB no próximo ano, e será necessário um grande ajuste em receita, gasto e gasto tributário a partir de 2027 para lidar com essa questão”, alertou. Segundo ele, o país repete um padrão histórico de expansão fiscal sem compensações adequadas, o que dificulta qualquer tentativa de estabilização das contas.
Vale defende a criação de uma estrutura independente de avaliação fiscal, com autonomia semelhante à do Banco Central. “O Brasil precisa de uma agência totalmente técnica, sem interferência política, que avalie a eficiência das medidas propostas. Algo semelhante ao Instituto Fiscal Independente ou à agência de produtividade da Austrália. Esse tipo de instituição traria credibilidade e disciplina à gestão pública”, sugeriu.
Como reverter a cultura de improviso fiscal?
Para o economista, o primeiro passo é institucionalizar a cultura de avaliação de políticas públicas. Isso exige que o governo e o Congresso incorporem práticas de análise de custo e benefício como requisito para qualquer medida de impacto orçamentário. “O ideal seria que nenhuma proposta avançasse sem estimativa clara de custo e retorno. É uma mudança de cultura que exige compromisso político e técnico”, afirmou.
O estudo e as análises de Sérgio Vale reforçam que a ausência de cálculo de impacto não é apenas uma falha técnica, mas um reflexo da forma como o país encara a gestão pública. Sem planejamento de longo prazo e sem compromissos com a eficiência, o risco é perpetuar ciclos de gasto excessivo e crescimento da dívida, dificultando a construção de uma economia estável e previsível.