O segundo semestre de 2025 começa sob um cenário macroeconômico de crescente incerteza, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Essa foi a avaliação central de Fabio Kanczuk e Jeferson Bittencourt, do ASA, durante um encontro com jornalistas promovido pela gestora para debater as perspectivas para o fiscal e para política monetária para o restante do ano.
Para Jeferson Bittencourt, head de Macroeconomia do ASA, o principal desafio interno continua sendo a política fiscal. Segundo ele, o atual arcabouço fiscal “promete pouco” e se limita a entregar déficits dentro da meta legal, sem apresentar avanços significativos em termos de sustentabilidade da dívida pública.
“O cenário básico não prevê melhora expressiva dos resultados fiscais em 2025 e 2026. Os esforços de arrecadação e corte de gastos são suficientes apenas para cumprir o arcabouço, que, por sua vez, tem metas modestas”, afirmou Bittencourt.
Com a emenda à PEC dos Precatórios, a expectativa é que o déficit autorizado para 2026 aumente para cerca de R$ 112 bilhões, o que equivale a 0,8% do PIB. A medida retira os precatórios do limite de gastos e, consequentemente, da meta fiscal. Isso cria espaço contábil, mas amplia a preocupação com a trajetória futura das despesas.
O economista também destacou o risco de novas pressões por gastos fora do teto, como a possível revisão do Bolsa Família, que poderia comprometer ainda mais a credibilidade das regras fiscais. “Se o governo voltar a excluir novas despesas do limite, a sinalização ao mercado será muito negativa”, alerta.
Impulso fiscal se acelera no segundo semestre
Jeferson reforçou que o impulso fiscal será mais forte no segundo semestre, com previsão de pagamento de R$ 70 bilhões em precatórios quase todo o déficit esperado para o período. Isso contrasta com o déficit de R$ 8 bilhões acumulado até junho, indicando um avanço expressivo nas despesas no segundo semestre.
Além disso, ele observa que a prioridade política do governo tem sido a popularidade e não necessariamente o ajuste estrutural. “A discussão sobre a taxação de compras internacionais de pequeno valor vai na direção oposta do ajuste, e reforça o peso da popularidade presidencial na condução fiscal às vésperas de um ano eleitoral”, pontuou.
Além do fiscal: cenário externo pressiona mercado
Do lado internacional, Fábio Kanczuk, diretor de Macroeconomia do ASA, chamou atenção para a subestimação dos riscos nos Estados Unidos. Para ele, os impactos das tarifas anunciadas por Donald Trump ainda não foram precificados pelos mercados mas devem aparecer nos dados macroeconômicos a partir de agosto e setembro.
“Estamos vivendo a segunda onda tarifária, e ela vai gerar impacto sim. O problema é a defasagem típica dessas medidas. O mercado está excessivamente tranquilo, mas os efeitos virão, principalmente sobre a inflação e a atividade”, afirmou Kanczuk.
O especialista também destacou um fator estrutural pouco discutido: a queda drástica no número de imigrantes nos EUA, que estaria influenciando o mercado de trabalho. Segundo ele, o fluxo migratório líquido já está negativo em 2025, o que reduz a oferta de mão de obra e pressiona o custo do trabalho.
“Vamos ver números mais fracos de geração de emprego pela redução da oferta de trabalhadores.”
Na leitura do ASA, isso deve pesar nas decisões do Federal Reserve, que terá que equilibrar a inflação com um mercado de trabalho mais frágil. O primeiro corte de juros nos EUA, segundo Kanczuk, deve ocorrer em outubro de 2025.
Brasil: política monetária ainda com efeito limitado
Ao analisar a política monetária doméstica, Kanczuk é cético quanto à eficácia da Selic atual para conter a inflação. Ele argumenta que o chamado “juro neutro” no Brasil pode ser bem mais alto do que o estimado pelo Banco Central e pelo mercado.
Ainda assim, o ASA projeta um corte da Selic em dezembro, puxado pelo possível afrouxamento monetário nos EUA. “Há uma conexão entre as taxas globais. Se o Fed cortar, o BC brasileiro pode se sentir mais confortável para iniciar cortes também”, completou.
A leitura combinada dos dois economistas aponta para um ambiente macroeconômico instável, tanto no Brasil quanto nos EUA. De um lado, um governo brasileiro com foco limitado no ajuste fiscal e pressão por gastos. De outro, uma economia americana à beira de uma desaceleração mais intensa do que o consenso de mercado imagina.
A recomendação implícita é de atenção redobrada às decisões fiscais e monetárias, e à capacidade de adaptação dos agentes econômicos diante de mudanças que podem se intensificar no segundo semestre.