Em agosto de 2025, o Brasil acordou com um choque: a imposição de uma tarifa de 50% sobre a maioria dos produtos exportados aos Estados Unidos. Oficialmente, Donald Trump alegou razões políticas, em resposta às posições do presidente Lula em fóruns internacionais e como gesto de apoio ao aliado Jair Bolsonaro. Mas, reduzir esse movimento a uma simples disputa ideológica seria ingenuidade. A história mostra que Trump age com pragmatismo brutal: tarifas são sua arma predileta de barganha, e por trás da narrativa imediata se escondem motivações geoeconômicas mais profundas. O tarifaço contra o Brasil não é apenas punição; é também mensagem e ferramenta de negociação.
Para dimensionar, os EUA absorvem 12% das exportações brasileiras. O tarifaço atinge cerca de 55% desse total — café, carne bovina, cacau, açúcar, frutos do mar, frutas tropicais — deixando de fora setores estratégicos como aeronaves, celulose, fertilizantes e suco de laranja. Estudos da CNI estimam a perda de até 100 mil empregos e queda de 0,2 ponto percentual no PIB, enquanto projeções mais prolongadas, como a do J.P. Morgan, falam em retração de até 1% no crescimento econômico.
Apesar de duro, o golpe não é mortal. O Brasil tem uma economia menos dependente das exportações do que México ou Chile, e com a China respondendo por 28% das compras externas brasileiras, há espaço para redirecionamento. A consequência prática das tarifas é menos uma quebra sistêmica e mais uma pressão psicológica sobre setores específicos e sobre o governo Lula. É a partir dessa leitura que emergem hipóteses alternativas para explicar o gesto de Trump.
As três hipóteses: minerais, moeda e energia
O primeiro motivo oculto pode estar na barganha das terras raras. O Brasil é um dos poucos países com reservas expressivas fora do eixo China-África, e esses minerais — neodímio, lantânio, tório — são vitais para semicondutores, defesa e baterias de carros elétricos. Ao impor tarifas sobre produtos agrícolas, Trump cria dor imediata, mas deixa em aberto uma futura negociação: alívio tarifário em troca de acesso privilegiado a recursos estratégicos.
A segunda hipótese envolve o BRICS e o desafio ao dólar. O bloco discute o uso de moedas locais e até um ativo financeiro alternativo. Aqui a pergunta é: por que o Brasil? A China é rival sistêmico demais, a Rússia está isolada, a Índia é parceira estratégica de Washington e a África do Sul não tem peso econômico suficiente. Sobra o Brasil, democrático, articulado e capaz de dar legitimidade a uma eventual moeda do grupo. Se enfraquecer Brasília, enfraquece-se a ambição de desafiar a hegemonia do dólar.
A terceira motivação se conecta à transição energética. O Brasil desponta como líder em bioeconomia amazônica, biocombustíveis e hidrogênio verde, enquanto EUA, Europa e China disputam a dianteira tecnológica da descarbonização. O tarifaço, nesse contexto, funciona como recado preventivo: não se alinhar automaticamente a europeus e chineses em pactos ambientais, sob pena de sofrer retaliação. Assim, vistos em conjunto, os três eixos — minerais estratégicos, moeda internacional e energia verde — oferecem uma leitura mais sólida da lógica trumpista do que a simples retórica política.
A retórica e a realidade
É claro que Trump não dirá abertamente que busca terras raras, quer prejudicar o BRICS ou disputar o futuro energético com a Amazônia. A retórica oficial é mais simples e vende melhor: castigar um governo de esquerda, proteger produtores americanos e exibir musculatura diante de uma base eleitoral nacionalista. Mas a história do trumpismo mostra que suas tarifas nunca são apenas o que parecem. Foram assim em 2018 contra a China: um gesto de guerra comercial que terminou em negociações complexas sobre propriedade intelectual, exportações agrícolas e tecnologia.
Com o Brasil, a lógica é idêntica: criar dor no presente para extrair concessões no futuro. Por isso, analisar o tarifaço apenas como capricho ideológico é perder de vista a estratégia de longo alcance.
Caminhos para o Brasil
O que fazer diante dessa armadilha geoeconômica? Algumas linhas se impõem. Primeiro, diversificar mercados, acelerando acordos com a União Europeia, Índia, Sudeste Asiático e África. Segundo, usar as terras raras como ativo de negociação, mas sem ceder integralmente aos EUA ou à China: a soberania sobre esses minerais deve ser pilar de uma estratégia nacional de inovação. Terceiro, atuar com pragmatismo no BRICS, explorando o debate monetário como instrumento de barganha, não como submissão a uma agenda chinesa ou russa. Quarto, reforçar a presença em fóruns multilaterais como OMC e G20, construindo alianças contra o protecionismo unilateral. Por fim, investir em inovação tecnológica doméstica, reduzindo a dependência de commodities sujeitas a tarifas.
Esses caminhos não eliminam o impacto imediato, mas transformam o tarifaço em ponto de inflexão: de ameaça a oportunidade. O Brasil pode escolher se será um peão pressionado em disputas alheias ou um ator capaz de reconfigurar o tabuleiro.
O tarifaço de Trump contra o Brasil é mais do que política externa temperada por ideologia. É a aplicação de uma estratégia transacional que busca garantir aos EUA vantagem em três campos decisivos do século XXI: minerais estratégicos, sistema monetário internacional e transição energética. A jogada, embora disfarçada de populismo punitivo, carrega uma lógica calculada: impor custos hoje para colher concessões amanhã. Cabe ao Brasil, em vez de reagir apenas com indignação, transformar a pressão em moeda diplomática. Isso exige visão estratégica, unidade interna e habilidade de negociação em várias frentes. No fim, a tarifa de 50% não deve ser vista como fim da linha, mas como primeiro lance de uma partida longa, em que só sobreviverão os que entenderem que geopolítica e economia caminham juntas, e que a verdadeira força está em jogar, não apenas em resistir.
*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam
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