O estudo da Henley & Partners prevê que o Brasil deve perder cerca de 1,2 mil milionários em 2025. O dado, que reforça uma tendência de saída de famílias de alta renda do país, foi analisado pelo psicanalista e mentor Júnior Silva em entrevista à BM&C News. Para ele, a estatística revela mais do que questões econômicas, mas aponta para a falta de confiança e de segurança psicológica no ambiente brasileiro. “Famílias de alta renda não olham apenas para números, mas para a percepção de futuro. Quando a insegurança é constante, o mecanismo de defesa natural é a fuga”, afirmou.
Segundo Silva, o brasileiro, em geral, não tem estrutura emocional para lidar com a perda total. “Por isso, quem tem recursos prefere sair antes de enfrentar cenários de maior instabilidade. Esse comportamento tem impactos diretos na economia, na inovação e na capacidade do país de competir globalmente“, avalia.
Como o êxodo de milionários afeta a inovação e o setor produtivo?
Na avaliação de Silva, a inovação depende de ambientes onde predomina a coragem para arriscar. Porém, essa coragem só existe quando há uma base emocional sólida. “Onde predomina o medo, a criatividade é bloqueada. No Brasil, existe um traço cultural de baixa resiliência para recomeçar do zero, e isso reduz o apetite por risco”, destacou. O resultado, segundo ele, é a diminuição do dinamismo no ecossistema de startups e uma perda de competitividade frente a outros países.
O psicanalista concorda com a leitura de que a saída dos mais ricos envia um sinal negativo ao capital externo. “O investidor estrangeiro observa o comportamento dos nacionais como reflexo inconsciente da realidade do país. Se até os milionários não confiam, por que os estrangeiros apostariam aqui?”, questionou. Essa percepção, reforça, contribui para um ciclo de desconfiança que afeta desde o investidor individual até grandes grupos internacionais.
Outro ponto relevante é a percepção de pagar impostos altos sem receber serviços públicos de qualidade. Para Silva, isso gera um sentimento de injustiça. “Quando o ser humano sente que paga caro sem retorno, a mente registra como perda sem sentido. No Brasil, isso alimenta ressentimento e desconexão com o país”, analisou. Esse quadro de desinvestimento emocional reforça a decisão de buscar proteção em outros lugares.
O ciclo vicioso do êxodo de milionários
O Brasil perdeu 18% dos milionários em dez anos, segundo dados recentes. Essa trajetória, segundo Silva, cria um ciclo vicioso:
- Menor arrecadação de impostos;
- Redução dos investimentos em setores estratégicos;
- Queda na geração de empregos de alta qualificação;
- Aumento da percepção de instabilidade econômica.
Para reverter, ele defende a construção de um ambiente de confiança, no qual investidores e empresários sintam que podem arriscar sem o temor de perder tudo. “É preciso transmitir segurança, previsibilidade e parceria. Só assim quebraremos esse ciclo de fuga”, apontou.
O risco de repetir erros do exterior
Silva lembrou ainda o exemplo do Reino Unido, onde políticas de taxação mais agressivas aceleraram a saída de capital. “O Brasil corre risco de repetir esse erro. Aqui, a sensação de punição já é forte. Qualquer aumento de carga pode reforçar ainda mais o impulso de defesa ou fuga”, alertou. Em contrapartida, destacou países como os Emirados Árabes, que atraem milionários não apenas pela isenção de impostos, mas por oferecerem previsibilidade e segurança.
Quais setores já sentem o impacto?
O êxodo de milionários afeta diretamente o mercado de luxo, mas também setores associados à estabilidade e status:
- Escolas bilíngues e internacionais;
- Imóveis premium em grandes capitais;
- Serviços de saúde e bem-estar de alto padrão;
- Segmentos de moda e lifestyle de luxo.
“Quando esses serviços começam a enfraquecer, a percepção coletiva é de que nem os sonhos dos mais ricos podem ser sustentados aqui. Isso acelera o movimento de saída”, disse Silva.
Para Silva, a perda de milionários não é apenas um sintoma conjuntural, mas um reflexo profundo da incapacidade do Brasil de reter capital e talentos. “O país falhou em criar um vínculo emocional de confiança. Quando não há estrutura para suportar perdas, a tendência é sair antes da crise. Essa é a cultura que está se consolidando”, concluiu. Segundo ele, se o Brasil não mudar essa narrativa, o movimento pode se acelerar ainda mais nos próximos anos.