O programa BM&C Visões desta semana trouxe à tona um dos temas mais preocupantes da atualidade, a expansão do crime organizado para além do tráfico de drogas e da violência urbana. A operação da Polícia Federal revelou um esquema sofisticado de infiltração em setores da economia, do mercado financeiro e até de instituições de Estado, mostrando que o desafio vai muito além da segurança pública.
Para analisar esse cenário, o professor Alexandre Pires, especialista em relações internacionais e economia do IBMEC, destacou a transformação do crime organizado em uma estrutura comparável às máfias internacionais. “O crime organizado é hierarquizado, possui recursos e busca gerar receita constante, funcionando como uma atividade econômica criminosa”, destaca Pires.
Como o crime organizado chegou ao sistema financeiro?
De acordo com Alexandre Pires, o Brasil nunca havia experimentado máfias estruturadas de forma empresarial, mas esse cenário mudou. Hoje, facções como o PCC ampliaram sua atuação, adquirindo empresas legais e utilizando setores estratégicos para lavagem de dinheiro. Postos de combustíveis, transportes, hotéis e até usinas de cana-de-açúcar passaram a ser alvos de aquisição ou de extorsão, desorganizando setores inteiros da economia.
Além disso, a operação revelou a atuação em fintechs, explorando lacunas regulatórias. Essas instituições, que funcionam como meios de pagamento, não tinham até antes da investigação o mesmo nível de fiscalização que os bancos tradicionais. “O problema é que elas criam estruturas com múltiplas camadas de contas, dificultando o rastreamento das transações”, explicou Pires. Estima-se que mais de R$ 40 bilhões tenham circulado por esses mecanismos nos últimos anos.
Quais os impactos na economia real?
A infiltração criminosa em setores produtivos gera distorções graves. Empresas adquiridas ou controladas pelo crime não buscam eficiência ou lucro legítimo, mas apenas dar origem a recursos ilícitos. Nesse processo, podem praticar preços artificialmente baixos, adulterar produtos e enfraquecer a concorrência. “Esse dinheiro lavado pode inclusive ser usado para influenciar legislações e regulamentos, criando um ambiente econômico completamente desorganizado”, alertou o convidado do BM&C Visões.
Apenas no setor de combustíveis, grandes distribuidoras como Raízen, Vibra e Ultrapar poderiam ter de 11% a 17% de receita adicional se não precisassem competir com empresas ligadas ao crime organizado. Essa realidade desestimula investimentos, gera perda de empregos e alimenta a desconfiança no ambiente de negócios.
O Brasil corre o risco de se tornar um “Estado paralelo”?
A expansão do crime organizado também levanta uma preocupação política. Com cada vez mais recursos, cresce a possibilidade de infiltração em partidos, câmaras municipais, assembleias legislativas e até no Congresso. “O maior risco é que o dinheiro ilícito passe a financiar campanhas e influenciar diretamente a legislação”, observou Pires.
O professor lembrou que a experiência internacional mostra esse caminho. Nos Estados Unidos, o FBI concentrou esforços por décadas no combate à corrupção pública porque ela era a principal porta de entrada das máfias no Estado. No Brasil, a pesquisa citada no BM&C Visões mostrou que 26% da população já vive em territórios controlados por facções, evidenciando o risco de consolidação de um “Estado dentro do Estado”.
O que pode ser feito para conter esse avanço?
Entre as medidas discutidas, o fortalecimento da regulação financeira aparece como prioridade. Mas esse movimento traz riscos: uma regulação mais rígida pode acabar prejudicando também cidadãos e empresas que atuam dentro da legalidade. Fiscalização de transações via Pix, por exemplo, pode afetar pequenos empresários e consumidores comuns.
- Reforçar a atuação de órgãos de inteligência financeira
- Ampliar a cooperação entre Receita, Polícia Federal e Banco Central
- Aperfeiçoar a regulação das fintechs sem sufocar a inovação
- Atacar os setores mais vulneráveis: combustíveis, transportes e hotelaria
Nesse sentido, o debate é urgente: como combater o crime sem criar um ambiente hostil ao empreendedorismo e à liberdade econômica? O BM&C Visões destacou que essa é a equação que o Estado brasileiro precisa resolver.
Disputa política e 2026 no horizonte
A discussão também tem reflexos diretos na política. O programa mostrou como a operação foi usada pelo governo federal e pelo governo de São Paulo em uma disputa de protagonismo. Em ano pré-eleitoral, a narrativa de combate ao crime e defesa da soberania nacional ganha força como bandeira política. Para Alexandre Pires, essa disputa evidencia o quanto segurança pública e economia estarão no centro das campanhas de 2026.
Enquanto Lula tenta consolidar a pauta da defesa da soberania diante do “tarifaço” dos Estados Unidos, o governador Tarcísio de Freitas surge como potencial candidato da oposição, e Fernando Haddad desponta como nome possível para a sucessão no campo governista. “A segurança pública pode ser a bandeira que faltava para impulsionar candidaturas”, afirmou Pires no BM&C Visões.
A visão para o futuro
Ao encerrar sua participação, Alexandre Pires apontou que a grande questão é a capacidade do Brasil de criar consensos mínimos em torno de um projeto nacional. Ele lembrou que o Plano Real foi fruto de um momento raro de entendimento entre forças políticas diferentes e defendeu que o país volte a buscar convergências. “Sem isso, seguiremos em um ciclo de paralisação, em que cada governo desfaz o que o anterior construiu”, concluiu.
O episódio do BM&C Visões deixou claro: o crime organizado já não é apenas uma questão de polícia. É um desafio econômico, político e social que ameaça a estabilidade do Brasil e coloca em risco o futuro da democracia e do ambiente de negócios. A resposta dependerá da união entre Estado, sociedade e instituições.