O complexo de vira-lata foi descrito pelo escritor Nelson Rodrigues, em 1958, como “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”, ou simplificando, trata-se do senso comum que diz que nós, brasileiros, adoramos vangloriar os feitos de fora e subestimar os nossos próprios “cases” de sucesso. Nesse sentido, Sobral, no Ceará, vai contra o senso comum.
A cidade tem como vantagem o fato de que, há mais de 20 anos, alguns líderes políticos investiram em um projeto de longo prazo com a clara finalidade de construir a melhor educação pública do país. E, ao longo dos anos, o projeto persistiu, reajustando e mantendo o foco.
Localizada a 244 quilômetros da capital, Fortaleza, com aproximadamente 200 mil habitantes, o local se tornou referência em educação no Brasil, ocupando o primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb. Feito digno de admiração.
Qual seria o segredo? Simples, não há segredo e, sim, planejamento, vontade política de fazer acontecer e a mobilização de todos os envolvidos nos processos educativos.
Longe de ter o cenário ideal, a cidade enfrenta grandes desafios, como a violência, e tem que lidar com as facções rivais que dividem a cidade.
Tive a oportunidade de visitar o município e conhecer de perto o sistema educacional de Sobral. Pelas escolas que passei, ao lado de um grupo interessado, que representava organizações do terceiro setor, uma das coisas que mais nos chamou a atenção foi o alinhamento entre diretores, coordenadores pedagógicos e professores. Todos sabiam exatamente qual era sua responsabilidade, explicavam suas rotinas de trabalho com segurança e deixaram claro o objetivo que compartilhavam: garantir que todas as crianças e adolescentes aprendam no período certo. Parece óbvio, mas não é bem assim que acontece em muitos municípios brasileiros.

Diferencial de Sobral: Planejamento, otimização de recursos e de capital humano.
Com um total de 85 escolas, e sustentando um índice de evasão escolar inferior a 1%, medidas simples fazem toda a diferença. Na porta de cada sala, há um quadrinho com os nomes dos alunos, indicando os que estão em aula e os que faltaram no dia, e é uma prática comum a diretoria contactar os responsáveis pelos alunos ausentes para saber o motivo da ausência. O controle de frequência é levado muito a sério. Com essa atitude básica, conseguem garantir a frequência de 80% dos alunos.
Sobral investe para que as escolas tenham uma estrutura mínima adequada para que os professores desempenhem bem o seu papel, o município olha para os professores, construindo uma cultura de constante aprimoramento profissional e de um bom planejamento. Cada etapa recebe a atenção devida, e todos os processos são avaliados com frequência por todos os envolvidos. Em todas as etapas do ensino os professores sabem quais são as habilidades e competências que seus alunos precisam desenvolver, e falam sobre o assunto com o maior domínio. A busca incessante pelo aprendizado de todos os alunos não limita o olhar individualizado dos professores para a necessidade de cada estudante.

Coisa bonita de se ver: uma cidade inteira orgulhosa de seus feitos em educação, mas sem deixar de olhar para a frente. Sobral se compromete, até o fim de 2024, a ofertar ensino integral para toda a sua rede, pois, atualmente, apenas 30% atuam nesse formato. Há o desafio de desenvolver um Ensino Médio, etapa que deixa de ser administrada pelo municipal e passa a ser pelo Estado, para que seja tão potente quanto o Fundamental, e que continue existindo vontade política e compromisso social de todos, para que os adolescentes que concluem as primeiras etapas da educação básica possam seguir numa jornada de oportunidades também na juventude.