
Na terça-feira, dia 7 de março, o Conselho de Estado da China encaminhou ao Parlamento chinês um plano para ampla reorganização do governo central, que inclui a criação de um órgão regulador financeiro, um departamento nacional de dados e uma reformulação de seu Ministério de Ciência e Tecnologia.
As propostas visam aumentar a autossuficiência do país nas principais áreas da indústria e tecnologia, especialmente em semicondutores, uma vez que surgiu um alerta para esta área depois que os Estados Unidos impuseram sanções à exportação de componentes-chave de chips e software para a China.
Atento ao problema, em uma citação rara e direta aos EUA, com clara repreensão no em seu discurso, Xi Jinping declarou nesta semana: “Os países ocidentais liderados pelos EUA implementaram contenção, cerco e repressão abrangentes contra nós, trazendo desafios severos sem precedentes ao desenvolvimento de nosso país”.
A China passou por duas reorganizações ministeriais desde que o Presidente do país, Xi Jinping, chegou ao poder em 2012, mas as mudanças deste ano são consideradas as mais transversais até o momento. Olhando os pontos essenciais, destaca-se o seguinte.
Regulação Financeira
Uma nova administração reguladora financeira nacional substituirá o ente fiscalizador bancário existente e colocará a supervisão do setor, além do setor de valores móveis, em um órgão diretamente subordinado ao Conselho de Estado, indicando um controle mais rígido em certos departamentos com objetivo de fortalecer as prioridades que vão desde a manutenção da estabilidade social e econômica até o gerenciamento da crescente tensão com os Estados Unidos.
Embora as decisões finais da China recaiam sobre o Politburo do Partido Comunista, ou seja, sobre o seu comitê executivo, o Conselho de Estado geralmente recebe uma certa margem de manobra para determinar a implementação da política, especialmente em questões econômicas.
A nova administração reguladora financeira administrará diretamente as principais holdings financeiras do país, tarefa que antes competia ao Banco Popular da China, e será responsável pela proteção financeira do consumidor, bem como a proteção do investidor.
Acerca da Autossuficiência Tecnológica
De acordo com o plano submetido ao Parlamento, o Ministério de Ciência e Tecnologia será reestruturado com o objetivo de avançar mais rapidamente em direção a uma maior autossuficiência no segmento científico e tecnológico, em resposta à pressão externa. O ministério reestruturado será supervisionado por um órgão recém-criado do Partido Comunista, a Comissão Central de Ciência e Tecnologia, endurecendo a supervisão partidária sobre esses setores.
Um novo escritório nacional de dados será responsável por coordenar o compartilhamento e desenvolvimento de recursos de dados, além de planejar a economia digital e promover iniciativas.
Acredita-se que esta reestruturação fortalecerá a fiscalização do Estado sobre os dados coletados no país, motivados pela crença de que eles se tornaram um recurso econômico estratégico e são necessários para acelerar a modernização do país na economia digital. Para além da questão econômica, existe também a preocupação com a segurança nacional, uma vez que a falta de controle na coleta de dados por empresas privadas pode permitir que atores estatais usem informações sobre a infraestrutura, além dos outros interesses nacionais chineses como arma contra o país.
Reformulação da Burocracia
Xi Jinping por muitas vezes culpou a lentidão burocrática entre funcionários de nível inferior por dificultar sua agenda. Nesse sentido, o plano apresenta a redução do número de cargos de servidores públicos no governo central em 5% nos próximos cinco anos. Esses servidores, por sua vez, apesar de considerados “excessos”, serão redirecionados para outras “áreas-chave”.
Centralização
Dez anos atrás, quando Xi Jinping assumiu o poder pela primeira vez, havia prometido deixar que as forças do mercado desempenhassem um papel decisivo na política econômica e na regulamentação financeira. No entanto, uma década depois, o Presidente chinês apresenta o argumento de que a chave para tornar a China mais resiliente e produtiva é com um maior controle do Partido Comunista.
A equipe de Xi declara que elas vão atuar “resolvendo os conflitos e questões de longa data na área financeira”, porém deve-se observar que a lógica que está sendo impressa com tal reformulação poderá apenas concretizar um retrocesso na capacidade empreendedora da sociedade chinesa, algo que impactará diretamente no desejado contínuo crescimento do país, o que se deu de forma acelerada quando a ideia de mercado nos parâmetros capitalistas foi implantada. Sendo assim, a maior centralização e controle tende a se tornar um tiro no pé.
*Daniela Alves é Diretora do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (CEIRI)