
Bolsa em queda, dólar e juros em alta. O mercado financeiro vem refletindo a desconfiança dos investidores nas últimas semanas, principalmente após a sinalização de uma menor austeridade fiscal do governo eleito. Os indícios de que o país poderá ter ainda mais problemas com as contas públicas veio da PEC da Transição, aprovada no Senado e que agora aguarda votação na Câmara dos Deputados.
Além disso, a escolha de alguns ministros, como Fernando Haddad na Fazenda – e a possibilidade de Aloisio Mercadante na presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) – também contribuiu para uma maior desconfiança dos investidores, incluindo os gestores de grandes fundos.
Uma das principais formas de comunicação entre os investidores institucionais e os clientes são as cartas aos cotistas, normalmente publicadas mensalmente. Neste documento é possível observar o sentimento dos profissionais que cuidam do seu dinheiro em relação à economia e suas perspectivas para o futuro. Em boa parte das cartas, os gestores se mostram preocupados com uma possível “releitura” dos erros do governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
Uma das cartas mais enfáticas publicadas este mês veio do Fundo Verde, um dos fundos multimercados com melhor track record (retorno histórico) das últimas décadas – liderado pelo renomado gestor Luis Stuhlberger.
No relatório, e equipe do fundo criticou a “farra dos gastos” do governo que ainda nem começou. “A marcha da insensatez fiscal segue inabalada em Brasília. (…) A PEC, depois de muito teatro, está saindo do Senado com gastos de duzentos bilhões de reais fora do teto. Não há absolutamente nenhum compromisso com qualquer responsabilidade fiscal”, afirma o documento.
O relatório ainda critica a menção à MMT (Modern Monetary Theory) feita na PEC da Transição. “Um país com a história inflacionária do Brasil e taxas de juros de 13,75% brincar com esse tipo de argumento mostra que, definitivamente, o PT não aprendeu nada com o desastre do governo Dilma”, diz a carta.
Já a Occam Brasil divulgou sua carta pouco antes da PEC ter sido aprovada no Senado, onde houve uma “desidratação” da proposta inicial de “fura-teto” de R$ 200 milhões para R$ 145 milhões.
“Ainda que seja esperada uma diluição do texto durante a tramitação, o texto aprovado deverá ser complementado por uma maior atuação dos bancos públicos na concessão de crédito, bem como maior investimento de estatais. Desta forma, a convergência da inflação para a meta, em um ambiente de hiato pressionado, segue desafiadora e demandará uma atuação mais conservadora do Banco Central”.
A equipe de gestão da XP Asset também mostrou preocupação com os gastos públicos e o aumento da inflação. “A direção da economia sob a gestão do próximo governo, aumentando o nível de gastos, será necessariamente com mais impostos ou com mais inflação. Esta combinação, por si só, está associada a um nível de juros mais elevado, o que induzirá à menos crescimento”, diz um trecho da carta de gestão do fundo DNA Serenity FIC.
Os gestores ainda destacam os perigos da utilização dos bancos públicos e a descapitalização das demais estatais. “[essa atitude tem] potencial adicional de desorganizar a economia e induzir uma crise de confiança, o que já vimos no governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Portanto, já vimos esse filme antes e o final não foi feliz. Então, parece loucura ou irracionalidade tentar fazer exatamente igual e esperar que o mocinho vença no final”, alerta a XP Asset.
Outra gestora de fundos que demonstrou desconforto foi a Ibiúna. “Mesmo após a eleição do Presidente Lula para o próximo mandato presidencial, a incerteza para o ano de 2023 e seguintes só fez aumentar. Apesar do término do pleito eleitoral, o presidente eleito manteve o seu discurso heterodoxo em relação às novas diretrizes econômicas”, apontam os gestores.
A equipe ainda destacou a demora na confirmação de nomes para os ministérios e os riscos fiscais com a PEC da Transição.
“Como consequência, a curva de juros brasileira subiu 100bps em média, o que impacta negativamente o custo de capital e despesa financeira das empresas domésticas”, aponta a carta aos cotistas dos fundos da casa.