Durante muito tempo, investidores e empresas foram treinados a antecipar crescimento e projetar ciclos. Só que, com juros altos por mais tempo, choques geopolíticos recorrentes e rupturas tecnológicas aceleradas, a gestão de risco no mercado deixou de ser uma etapa técnica e virou o centro da tomada de decisão porque, como resume Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, “errar menos” passou a valer mais do que tentar acertar mais.
Na entrevista ao Mercado & Beyond, apresentado por Paula Moraes, Agostini descreve um regime em que juros altos por mais tempo, choques geopolíticos, eleições, tarifas, mudanças regulatórias e rupturas tecnológicas se sobrepõem. O resultado é um mercado “mais sensível ao erro”, em que a velocidade da informação provoca reações imediatas a eventos, nem sempre a fatos. Para ele, isso torna a previsão mais difícil e eleva o papel da gestão de risco como instrumento de defesa.
Gestão de risco saiu da planilha e foi para o comando
Agostini argumenta que a análise de risco deixou de ser uma ferramenta técnica isolada e passou a orientar decisões estratégicas: mapear riscos e oportunidades vale mais do que tentar “cravar” crescimento. Na prática, o que muda é a pergunta que organiza a tomada de decisão: quais eventos podem acontecer e como o negócio atravessa períodos adversos sem comprometer sua continuidade?
“A volatilidade não parece uma fase passageira. Seria estrutural, impulsionada pela difusão do conhecimento, pela mudança geracional e pela aceleração tecnológica, com a IA encurtando ainda mais os ciclos. Se antes transformações levavam décadas, agora podem levar anos, ou menos“, avalia Agostini.
Serviços resilientes e política monetária mais difícil
Ao trazer o debate para o Brasil, Agostini conecta a mudança estrutural ao comportamento recente da inflação. Ele aponta que o setor de serviços ganhou peso e se tornou um dos fatores que dificultam a eficiência da política monetária: serviços tendem a ser mais sensíveis ao mercado de trabalho, e o país opera próximo do pleno emprego. Nesse quadro, a desinflação é mais lenta e o Banco Central precisa equilibrar inflação, atividade e emprego.
Ele também chama atenção para a fricção inevitável quando juros sobem: o Banco Central vira “vilão” no debate público, ainda que, na visão dele, parte relevante do problema esteja na composição da política econômica e na execução fiscal.
Investidor mudou: capital mais ágil, seletivo e curto
A mobilidade de capital é outro divisor. Agostini diz que ficou mais fácil migrar recursos entre países e ativos, o que aumenta o potencial de entrada em momentos positivos, mas também torna as saídas mais rápidas quando o risco cresce. Isso encurta o horizonte de previsibilidade, principalmente em emergentes, e eleva a exigência por critérios de seleção.
Na visão dele, essa pressão aparece em três frentes ao mesmo tempo: crédito, valuation e apetite por novos projetos. Ele cita, por exemplo, o desafio de mensurar retorno em áreas como IA: há investimento e narrativa, mas nem sempre clareza sobre o payback, o que amplia o peso do risco no preço.
Governança como “ativo”: mais que o balanço
Um ponto forte da entrevista é a inversão de hierarquia entre números e qualidade institucional. Agostini afirma que governança, transparência e compliance podem ser mais valiosos do que o próprio balanço, porque o balanço pode carregar distorções e fraudes.
“Quando há estrutura de gestão sólida e regras claras, o investidor percebe menor chance de desvios, e isso reduz a vulnerabilidade do negócio“, destaca.
No mesmo raciocínio, ele diz que previsibilidade institucional entra no preço como prêmio (quando existe) ou como desconto (quando falta). Não é “detalhe”: vira componente central da percepção de risco.
O erro mais comum: achar que o futuro será igual ao presente
Para Agostini, o erro recorrente de empresas e investidores é assumir que a curva atual vai se manter, especialmente em negócios em fase de crescimento. Ele defende acompanhamento mais frequente do negócio (não só anual ou semestral), investigação de desvios e uma visão que combine quantitativo (caixa, dívida, margem) com qualitativo (política, macro, regulação, geopolítica).
“Dívida não é o problema;o problema é a qualidade da dívida e a incapacidade de pagá-la. E o ponto crítico costuma aparecer quando a empresa entra na rolagem constante, sinal de que o caixa já está pressionado”, analisa.
Gestão de risco: “Errar menos” como estratégia de sobrevivência
Na síntese, Agostini concorda com a ideia de que errar menos expõe menos e preserva longevidade. Acertar mais, segundo ele, pode ser “casualidade” num período curto; errar menos é consistência ao longo do tempo. No mundo atual, essa consistência é o que mantém empresas de pé quando o tabuleiro muda rápido.

