A desaceleração da China oferece um alerta estrutural ao Brasil. O esgotamento de um modelo baseado em forte presença do Estado, crédito direcionado e baixa eficiência na alocação de capital evidencia riscos para economias que sustentam o crescimento mais por estímulos artificiais do que por ganhos permanentes de produtividade.
Durante décadas, o desempenho chinês foi interpretado por diferentes correntes do debate econômico global como prova de que o Estado poderia liderar o desenvolvimento de forma eficiente. O novo ciclo, no entanto, revela os limites desse arranjo. À medida que os ganhos fáceis de escala se esgotam, emergem distorções difíceis de corrigir: excesso de investimento improdutivo, destruição de poupança privada e queda estrutural da confiança.
China: dados de crescimento e sinais de esgotamento
Entre 2000 e 2010, a economia chinesa cresceu, em média, perto de 10% ao ano, impulsionada por urbanização acelerada, expansão do crédito e forte investimento estatal. Na década seguinte (2011–2019), o ritmo desacelerou para algo próximo de 6%, já refletindo retornos decrescentes desse modelo. Após a pandemia, o crescimento caiu para a faixa de cerca de 4% e, em 2025, estimativas de mercado apontam expansão em torno de 3%, um patamar significativamente inferior ao observado no auge do processo de industrialização acelerada. Esses números são insuficientes para compensar pressões demográficas e financeiras acumuladas.
Na China, os desequilíbrios se materializaram sobretudo no setor imobiliário e na infraestrutura. Estimativas conservadoras indicam dezenas de milhões de imóveis vazios, enquanto parte relevante da poupança das famílias ficou comprometida com ativos que perderam valor. A desaceleração persistentemente baixa e a baixa eficiência marginal do capital refletem a dificuldade de manter ritmos de crescimento elevados sem reformas estruturais profundas.
Segundo o economista Vandyck Silveira, o problema central não é apenas o ritmo menor de expansão, mas a forma como o capital foi direcionado.
“Quando o crescimento deixa de ser alocado pelo mercado e passa a ser definido administrativamente, a economia até avança por um período, mas cobra a conta mais adiante, em forma de baixa produtividade e perda de confiança”, afirmou em entrevista ao programa Strike, da BM&C News.
Brasil: exemplos recentes de intervenção e desafios estruturais
O padrão não é exclusivo da China e tampouco é recente na experiência brasileira. Ao longo de diferentes ciclos econômicos, o Brasil também recorreu a instrumentos de política econômica que privilegiaram estímulos via crédito direcionado, subsídios setoriais e expansão do gasto público em detrimento de reformas estruturais.
Nos últimos anos, isso se traduziu, por exemplo, em:
- ampliação de linhas de crédito com subsídios significativos via bancos públicos, que cresceram como fonte de financiamento em setores específicos;
- uso intensivo de renúncias fiscais (isenções e regimes especiais) para atrair investimentos em cadeias produtivas determinadas, impactando a arrecadação sem garantia clara de ganhos de produtividade;
- forte crescimento de despesas obrigatórias, limitando a margem fiscal para investimento em infraestrutura e educação;
- persistência de obstáculos regulatórios que encarecem o custo de fazer negócio, refletindo-se em juros reais mais elevados e baixo crescimento da produtividade total dos fatores.
O resultado tem sido crescimento moderado, inflação mais resistente e elevados custos de capital, refletindo a dificuldade de elevar a produtividade de forma sustentável em um ambiente com sinais mistos de confiança e previsibilidade.
Os dados ajudam a explicar essa dinâmica: economias que sustentam crescimento por ganhos de produtividade apresentam expansão mais estável do PIB per capita, aumento consistente da renda real e maior profundidade de mercado de capitais. Já modelos dependentes de estímulos estatais tendem a gerar retornos decrescentes, elevar o risco fiscal e reduzir a eficiência do investimento privado ao longo do tempo.
Um ambiente global mais exigente
O contexto internacional reforça esse desafio. Com a China crescendo menos e os Estados Unidos mais seletivos em seus compromissos globais, o capital tornou-se mais exigente em relação a previsibilidade institucional, qualidade regulatória e disposição para ajustes quando distorções se acumulam. Investidores avaliam não apenas indicadores de curto prazo, mas a solidez das instituições e o arcabouço regulatório para investimentos de longo prazo. Países que postergam correções estruturais acabam pagando um prêmio mais alto em juros, câmbio e potenciais saídas de capital.
Lição empírica da China e caminho adiante
Para o Brasil, o alerta vindo da China não é ideológico, é empírico e econômico. Crescimento sustentável exige um ambiente em que o Estado atue como organizador e garantidor de regras claras, não como substituto do investidor. Modelos guiados excessivamente por intervenção estatal podem funcionar em fases iniciais de desenvolvimento, mas tendem a falhar quando a economia amadurece e a competição global se intensifica.
Ignorar esse alerta significa aumentar o risco de repetir, em outra escala, ciclos de crescimento de curto prazo seguidos por longos períodos de estagnação um custo elevado demais para economias que ainda buscam convergência de renda e desenvolvimento sustentável.












