Por mais de duas décadas, a China funcionou como o principal motor da economia global, sustentando demanda, puxando cadeias produtivas e influenciando fluxos de capital. No Painel BM&C, apresentado por Paula Moraes, os economistas Roberto Dumas e Carlos Honorato avaliaram que esse ciclo entrou em uma nova fase. O debate deixou de ser sobre crescimento acelerado e passou a girar em torno dos limites do modelo chinês e de como o mundo se adapta a essa mudança.
Para Roberto Dumas, a desaceleração é estrutural e vem da combinação de três fatores: demografia em queda, retorno decrescente do investimento e esgotamento do setor imobiliário como alavanca econômica.
“Demografia você já não tem mais na China”, afirmou, ao explicar que o país já não consegue repetir o mesmo padrão de crescimento baseado em investimento pesado e expansão imobiliária.
Real estate perde protagonismo na China
O real estate, que concentrou grande parte da poupança das famílias chinesas, perdeu protagonismo após o endurecimento regulatório iniciado em 2020. Segundo Dumas, a mensagem do governo foi clara:
“Ativo imobiliário não é para especular, é para morar”, avalia Dumas.
A consequência foi a queda nos preços dos imóveis e no volume construído, atingindo um setor que respondia por parcela relevante dos investimentos do país.
Setores que ganham força na China
Com o enfraquecimento do mercado imobiliário, a China busca compensação em outro vetor: a indústria. O foco recai sobre carros elétricos, baterias e células fotovoltaicas, setores nos quais o país tenta ganhar escala global para sustentar crescimento. Esse movimento ajuda a explicar o forte superávit externo e a pressão competitiva sobre outras economias, da Ásia à Europa e à América Latina.
Dumas destacou que essa transição tem um componente político central. A China precisa crescer para preservar estabilidade social.
“Economia, política e sociedade é uma coisa só”, afirmou.
Dumas lembra que a desaceleração mais intensa tende a gerar tensões internas. Por isso, mesmo com menor crescimento, Pequim deve evitar um ajuste abrupto e buscar alternativas para manter a atividade.
O papel do Ocidente
Carlos Honorato ponderou que o Ocidente observa a China com filtros limitados.
“A gente não sabe exatamente o que acontece ali dentro”, afirmou, lembrando que o país não opera sob um capitalismo tradicional.
Para ele, subestimar a capacidade de adaptação chinesa pode ser um erro, já que o modelo combina forte presença do Estado com elevada capacidade de intervenção econômica.
Ainda assim, Honorato reconheceu que o mundo precisa se adaptar a uma China que puxa menos demanda. O fim do ciclo de hiper-globalização, a reorganização geopolítica e o aumento do prêmio de risco tornam o cenário mais complexo. O resultado é um ambiente global mais fragmentado, com maior volatilidade e decisões de investimento mais seletivas.
Foco deve ser em ativos americanos e ouro
No debate sobre fluxos de capital, Dumas avaliou que, no curto prazo, o dinheiro tende a se concentrar em ativos americanos e ouro, enquanto a Europa perde atratividade e a China permanece limitada pela conta de capital fechada. Parte dos recursos pode buscar mercados emergentes de forma seletiva, mas com maior exigência de retorno e menor tolerância a risco.
A síntese do painel é que a China não “quebra”, mas cresce menos e de forma diferente. Essa mudança altera preços relativos, reorganiza cadeias produtivas e força investidores e países a recalcular estratégias para 2026. O impacto não é uniforme: alguns setores e regiões ganham, outros perdem, e a leitura fina do novo modelo chinês passa a ser decisiva para navegar o próximo ciclo global.

