A aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026 reacendeu o debate sobre a credibilidade do arcabouço fiscal e a capacidade do governo de cumprir metas fiscais diante do avanço acelerado das despesas obrigatórias. Para o economista Thomás Cordeiro, da Finance Consultoria, o texto evidencia um movimento crescente de adaptações e exceções que colocam pressão sobre a regra fiscal.
O ponto central do debate é a meta de superávit primário de R$ 34,3 bilhões, equivalente a 0,25% do PIB, prevista na LDO e alinhada ao centro da banda do Novo Arcabouço Fiscal (NAF). Na prática, porém, Cordeiro afirma que o governo já trabalha mirando o piso da meta, e não seu valor central.
LDO no radar: “O governo já mira o piso, não o centro da meta”
O arcabouço fiscal permite uma oscilação de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo. Isso significa que o governo pode entregar um superávit entre 0% e 0,5% do PIB sem descumprir a regra.
Mas, segundo Cordeiro, esse espaço vem sendo usado de forma sistemática:
“O governo já trabalha para cumprir o piso e não o centro da meta. Isso implica uma diferença de cerca de R$ 34 bilhões e afeta a credibilidade da regra fiscal.”
Essa perda de consistência, diz ele, está ligada ao crescimento das despesas obrigatórias, que comprimem o espaço das despesas discricionárias a níveis críticos.
“O arcabouço se mostra incompatível com o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. Sem uma reforma dessas despesas, a regra não será sustentável no longo prazo.”
TCU liberou uso do piso, mas risco de descumprimento do arcabouço fiscal aumenta
A LDO prevê que o governo poderá se basear no limite inferior da meta para fins de contingenciamento. Isso foi autorizado pelo TCU, mas Cordeiro vê o movimento como arriscado:
“As bandas foram feitas para absorver imprevistos. Se o piso começa a ser tratado como centro, qualquer frustração de receita levará ao descumprimento da regra.”
Nesse cenário, o governo poderia ser forçado a negociar:
- novas medidas de arrecadação, ou
- novas exclusões de despesas do arcabouço, aprofundando a fragmentação das regras fiscais.
Blindagem do fundo partidário e eleitoral: reflexo do calendário político
Outro ponto sensível da LDO é a proteção do fundo partidário e do fundo eleitoral contra contingenciamento. Para Cordeiro, a mensagem é evidente:
“Há uma priorização clara do calendário eleitoral. Mesmo com risco de falta de verba para políticas públicas, o Congresso quer blindar as verbas políticas.”
A decisão contrasta com cortes recorrentes em áreas essenciais do Estado.
“Setores estratégicos continuam perdendo; fundos políticos são preservados”
Questionado sobre a coerência dessa blindagem diante de cortes em setores estratégicos, Cordeiro é categórico:
“Sob a ótica do interesse público, não faz sentido. Investimentos, pesquisa, agências reguladoras e outras políticas essenciais vêm sendo comprimidos ano após ano.”
Ele lembra que o Congresso ampliou seu poder sobre o orçamento, mas sem assumir responsabilidade proporcional sobre eventuais descumprimentos fiscais, que recaem sobre o Executivo.
Meta das estatais e exceções do Novo PAC: ajustes que enfraquecem a regra
A LDO fixa um déficit de R$ 6,7 bilhões para estatais não dependentes (excluindo Petrobras e ENBPar). Segundo Cordeiro, a meta é factível, especialmente porque a própria LDO autoriza até R$ 10 bilhões em gastos para reestruturação de estatais por fora do arcabouço.
“Essa exceção facilita o cumprimento da meta, mas evidencia outra distorção.”
A análise se agrava com a exclusão de até R$ 5 bilhões em investimentos do Novo PAC, focados em defesa, também fora da regra fiscal:
“Enfraquece a credibilidade do arcabouço. Independentemente do mérito da despesa, o ideal é que esses gastos estivessem dentro da regra.”
Cordeiro vê nessas exceções um sinal claro de que o arcabouço está sendo progressivamente “remendado” para caber dentro de restrições crescentes.
Sem reforma das despesas obrigatórias, a regra não se sustenta
Para o economista, o conjunto de medidas da LDO de 2026 aprofunda a percepção de que o arcabouço fiscal está sendo tensionado ao limite:
- priorização política de fundos eleitorais;
- compressão das despesas discricionárias;
- exceções crescentes ao arcabouço;
- uso do piso como meta informal;
- fragilidade do planejamento diante de imprevistos.
“A sustentabilidade fiscal do país exige, no próximo mandato, uma reforma das despesas obrigatórias. Sem isso, nenhuma regra fiscal será plenamente crível.”












