A possibilidade de Kevin Hassett assumir a presidência do Federal Reserve e Scott Bane acumular funções no Tesouro e no Conselho Econômico Nacional acendeu uma nova narrativa nos mercados globais: haveria risco de concentração excessiva de poder na estratégia econômica dos Estados Unidos?
Para Fabio Fares, especialista em análise macro, a resposta é direta: não.
Em entrevista à BM&C News, Fares afirma que o alarde em torno da sucessão no Fed faz parte do jogo de narrativas, mas não representa uma ameaça real à independência do comitê, e muito menos à condução da política monetária dos EUA.
“O Fed é uma democracia: o presidente tem só um voto”
Questionado sobre a preocupação do mercado com a influência de Donald Trump nas escolhas para o comando do banco central americano, Fares minimiza:
“O presidente do Fed tem um voto. Ele precisa convencer pelo menos outros seis para ter maioria. Não vejo perigo nenhum.”
Ele lembra que, apesar de figuras como Hassett serem apelidadas de “Trump boy” por parte do mercado, não há como um único nome dominar a tomada de decisão do FOMC, que reúne 12 membros votantes.
Para Fares, trata-se de um exagero alimentado pela “era das narrativas e do clickbait”, semelhante ao que ocorreu no Brasil na virada do ano, quando Gabriel Galípolo assumiu o Banco Central sob receio de interferência política:
“O medo era gigantesco e hoje todo mundo está surpreso com a postura extremamente profissional dele.”
A metáfora serve para reforçar a visão do estrategista:
“Trump faz o que qualquer governo faz. E isso não muda a política monetária americana.”
Cortes de juros: “ADP mostrou o que realmente importa”
Se a sucessão no Fed não preocupa Fares, o que realmente importa para ele é o mercado de trabalho dos Estados Unidos, que começa a dar sinais de desgaste.
O dado mais marcante veio do relatório ADP, que mostrou fechamento de vagas trimestrais pela primeira vez desde 2020, com destaque negativo para as pequenas empresas.
“Foram 120 mil vagas cortadas em pequenos negócios, o motor da economia americana.”
Embora parte das demissões represente uma migração para modelos de trabalho mais flexíveis, como contratos rotativos e parciais, o recado é claro:
“O problema hoje nos EUA é muito mais grave: desaceleração do mercado de trabalho.”
E o efeito cascata pode ser rápido:
- trabalhador endividado perde confiança;
- reduz consumo;
- atrasa pagamento de dívidas;
- e alimenta risco de uma desaceleração mais profunda.
Por isso, Fares defende que o foco do mercado deve deixar de ser a narrativa de que “não dá para cortar juros” e olhar para os fundamentos:
“Corta 25 pontos na próxima semana e Powell vem soft. Deve cortar mais em 2026.”
Na visão dele, os EUA caminham para atingir o juro neutro em um horizonte que ele brinca ser “tempo de Copa do Mundo”.
Shutdown não mudou a rota e o Fed deve seguir adiante
Fares também minimiza os impactos do recente shutdown administrativo sobre os indicadores e a leitura do mercado:
“O shutdown não atrapalhou a percepção de que o Fed está no caminho certo.”
Com dados de emprego mais fracos, desaceleração das pequenas empresas e consumidores pressionados pelo endividamento, o estrategista reforça que o cenário favorece um ciclo de cortes, independentemente das disputas políticas em torno da cadeira de presidente do Fed.
Menos narrativa, mais fundamento
O debate sobre a influência de Trump no Fed deve continuar alimentando manchetes mas, para Fábio Fares, é apenas isso: narrativa.
O que realmente importa para o rumo dos juros em 2026 são:
- desaceleração do mercado de trabalho,
- endividamento das famílias,
- queda de confiança,
- e a necessidade do Fed de evitar que a fragilidade do consumo se transforme em algo maior.













