O programa Money Report desta semana, apresentado por Aluízio Falcão na BM&C News, reuniu três nomes centrais para entender o Brasil de hoje e o que vem pela frente: Daniella Marques (chair woman da Legend), Mansueto Almeida (economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional) e o cientista político Luiz Felipe d’Avila. No centro da conversa, o impacto do gasto público elevado sobre o juro real, o crescimento da economia e a trajetória da dívida até 2026.
Logo de início, Mansueto explicou o aparente “paradoxo” que intriga o mercado: juro nominal a 15% ao ano, juro real na casa de dois dígitos, possivelmente o mais alto do mundo, convivendo com o menor nível de desemprego da história recente. A resposta, segundo ele, passa diretamente pelo aumento expressivo do gasto público.
Gasto público dispara e empurra juro real para cima
Mansueto lembrou que, entre 2023 e 2026, o gasto público federal (sem juros) deve crescer algo entre 16% e 17% em termos reais. Para efeito de comparação, nos oito anos anteriores, de 2014 a 2022, com pandemia no meio. o aumento acumulado foi de 9%. Ou seja: em quatro anos, o governo atual entrega quase o dobro do crescimento de gasto registrado em oito anos.
Esse impulso ajuda a explicar o desemprego baixo e a atividade ainda resiliente, mas cobra um preço elevado: mais inflação e a necessidade de uma política monetária muito mais dura. O Banco Central, para segurar a alta de preços, mantém a taxa nominal em 15%, com inflação projetada em torno de 4,4%, o que rende um juro real próximo de 10% neste ano. Mesmo com um corte de cerca de 3 pontos percentuais em 2025, o juro real seguiria em torno de 8%.
Para Mansueto, há uma certeza incômoda: 2025 e 2026 serão anos de juro real muito alto no Brasil, fruto direto de escolhas políticas na área fiscal. Em outras palavras, o gasto público cresceu num ambiente em que a economia já vinha reagindo, tornando o mix de política econômica desequilibrado.
Crescimento mais fraco e dívida em trajetória preocupante
O economista-chefe do BTG projeta uma desaceleração clara do PIB. Depois de crescermos 3,2% em 2023 e 3,4% em 2024, a estimativa para 2025 é de expansão em torno de 2%. Na prática, isso significa que a economia praticamente não cresce no segundo semestre, porque boa parte desse resultado já veio no primeiro.
Para o ano que vem, a projeção cai ainda mais, algo próximo de 1,5% de crescimento real, muito pouco para um país do tamanho e das necessidades do Brasil. A combinação é conhecida: produtividade baixa, taxa de investimento perto de 17% do PIB e gasto público em trajetória ascendente.
No lado fiscal, Mansueto lembrou que:
- o déficit nominal médio do governo em quatro anos deve ficar em torno de 8,5% do PIB, entre os piores do mundo;
- a dívida bruta deve sair de cerca de 71,7% do PIB no início do governo para algo entre 81% e 82% do PIB ao final do mandato, um salto de dez pontos em um período em que a economia cresceu, em média, 2,5% ao ano.
A mensagem é direta: não é uma trajetória sustentável, especialmente com juro real tão elevado. O programa de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, compensado pela sobretaxação de rendas acima de R$ 50 mil, é fiscalmente neutro, mas, na visão de Mansueto, torna ainda mais difícil um ajuste robusto lá na frente. Hoje, cerca de 75% dos trabalhadores com carteira assinada ficam isentos de IR, o que limita a margem de manobra futura.
Famílias endividadas e crédito caro
Mesmo com mercado de trabalho aquecido e massa de salários em alta, o endividamento das famílias continua elevado. Mansueto citou o alerta recente do Banco Central, o comprometimento de renda com serviço da dívida segue alto, algo incomum para períodos de queda do desemprego.
Programas novos, como o consignado em folha no setor privado, não decolaram como o governo esperava. O desembolso mensal gira em torno de R$ 6 bilhões, bem abaixo dos R$ 10 a 12 bilhões projetados inicialmente, com custo de juros de quase 50% ao ano. Em resumo: o juro alto, consequência do excesso de gasto público, está drenando renda das mesmas famílias que políticas de transferência tentam beneficiar.
Energia, Custo Brasil e travas ao investimento
Daniella Marques destacou que o Brasil tem uma vantagem estrutural que ninguém tira, a combinação de matriz energética limpa e posição de destaque em segurança alimentar. Isso, por si só, torna o país um polo natural de investimentos em agro, energia e infraestrutura.
Ela lembrou o legado do ciclo de concessões, com mais de 150 leilões estruturados, nos quais se abriu mão de parte da outorga para direcionar recursos para CAPEX, garantindo investimentos contratuais bilionários para a próxima década. Esse pipeline ainda ajuda a sustentar emprego e crescimento, mesmo com gasto público elevado e juro alto.
Mas há freios importantes:
- excesso de judicialização (como no setor aéreo, onde o Brasil responde por mais de 90% do contencioso mundial com apenas 3% da malha aérea);
- insegurança regulatória, como no caso da MP 1303 no setor elétrico;
- carga tributária entre as mais altas do mundo;
- burocracia e Custo Brasil ainda pesados.
Na visão de Daniella, muitos setores “poderiam estar andando a 100 por hora, mas estão a 50 por hora” porque o conjunto de impostos, regulações e incerteza jurídica encarece o capital e desestimula novos projetos.
Instituições, populismo e o papel do Congresso
Na dimensão política, Luiz Felipe d’Avila foi categórico: o grande fator de instabilidade hoje não é o Executivo nem o Legislativo, mas o Judiciário. Para ele, a judicialização excessiva, decisões retroativas e interpretações que extrapolam limites constitucionais corroem a previsibilidade das regras do jogo e alimentam a desconfiança dos investidores.
D’Avila lembrou que:
- o Brasil é campeão de judicialização tributária e trabalhista;
- o país só teve dois presidentes realmente preocupados com instituições de longo prazo desde a redemocratização: Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer;
- governos populistas, por definição, tendem a enfraquecer instituições, não a fortalecê-las.
O cientista político também chamou atenção para o comportamento do Centrão. Na ausência de liderança firme na Presidência, o bloco ganha poder e passa a atuar de forma quase autônoma, priorizando reeleição, emendas e verbas, não um projeto de país. Reformas estruturais, segundo ele, dificilmente avançam nesse ambiente.
Banco Central independente e travessia até 2026
Na parte final do programa, o grupo analisou a atuação do presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Tanto Mansueto quanto Daniella avaliaram positivamente o trabalho, ressaltando a importância da independência formal da autoridade monetária e da deferência do presidente à área técnica.
Mesmo sob pressão de um ambiente de gasto público em alta, o BC conseguiu manter a inflação média próxima de 4,5% no período, resultado que, historicamente, é considerado razoável. O custo, porém, é conhecido: a maior taxa de juro real do mundo, algo que não se sustenta indefinidamente.
Daniella reforçou que, quando a política fiscal não ajuda, todo o peso do ajuste recai sobre a política monetária. E isso tem reflexos diretos na vida real: crédito mais caro, investimentos adiados e famílias endividadas.
A conclusão implícita da conversa é que a travessia até 2026 será turbulenta. Sem uma âncora crível para o gasto público, o Brasil seguirá preso ao tripé indesejado: juro alto, crescimento medíocre e dívida em trajetória ascendente. O espaço para erros, seja na política econômica, seja nas instituições, ficou bem menor.












