A liquidação extrajudicial do Banco Master pelo Banco Central não derrubou apenas uma instituição de médio porte, ela reacendeu dúvidas sobre a efetividade da supervisão, o apetite por risco de investidores, inclusive institucionais e a conta que, no fim, recai sobre todo o sistema financeiro.
No Painel BM&C, apresentado por Paula Moraes, os convidados Bruno Musa (economista e consultor da Portfel), Marco Saravalle (CIO da MSX Invest) e Felipe Nascimento (analista de finanças e educador financeiro) analisaram o caso e seus desdobramentos para bancos médios, fundos de pensão, investidores pessoa física e o próprio Banco Central.
Polêmica do Master: algo não estava certo há muito tempo
Logo no início do programa, Bruno Musa lembrou que o desconforto com o Banco Master não é novidade no mercado. Segundo ele, o crescimento agressivo da captação e o nível de taxas oferecidas nos CDBs já eram um sinal claro de desequilíbrio. “Como é que você paga taxas tão acima do mercado e paga fee de distribuição tão acima do esperado? Alguma coisa cheira mal. Se você está pagando taxas tão exorbitantes frente aos seus pares, algo tem.”
Musa destacou ainda que, em pouco tempo, o Master passou de um banco com “alguns poucos bilhões” em CDBs para representar uma fatia relevante do risco coberto pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC), com depósitos estimados em cerca de R$ 50 bilhões garantidos.
A ausência de interesse de grandes bancos privados em adquirir a instituição, mesmo com uma carteira volumosa, também acendeu, segundo ele, uma “luz vermelha”.
Banco Central demorou agir no caso do Banco Master?
Uma das questões centrais do debate foi o timing da intervenção do Banco Central. Para Musa, havia sinais suficientes para uma atuação mais rápida. “Não tenho a menor ideia por que o Banco Central só agiu agora, mas é fato que algo estranho vinha acontecendo há muito tempo. O mercado já via as luzes amarelas e vermelhas acesas.”
Marco Saravalle adotou uma visão de “copo meio cheio, meio vazio”. De um lado, reconheceu a importância de um BC independente e da decisão de liquidar o banco. De outro, questionou se a supervisão foi suficiente diante de tantos alertas. “A grande preocupação é: será que é suficiente o trabalho do Banco Central? Será que precisa subir a régua? O que está acontecendo que não foi investigado antes, por que deixou chegar nesse volume?”
Para ele, a liquidação do Master já pode ser considerada um dos episódios mais graves da história recente do sistema financeiro brasileiro.
FGC entra em cena e a conta é do próprio sistema
Com a decretação da liquidação, o FGC passou a ser o protagonista na proteção dos investidores até o limite de R$ 250 mil por CPF ou CNPJ e dentro do teto global de garantia. Mas, como lembram os analistas, esse “colchão” tem dono: o próprio sistema financeiro e, indiretamente, o correntista.
Saravalle alerta que eventuais aportes adicionais ao FGC podem ter impacto nas condições de crédito. “Se os bancos têm que aportar de novo, ficam menos líquidos. Se ficam menos líquidos, têm menos dinheiro para emprestar e vão subir as taxas. A taxa sobe para todo mundo.”
Musa reforça que o episódio deve levar a uma discussão sobre a própria regulação e o modelo de garantias. “Você que comemora porque comprou IPCA +30 achando que o FGC garante para sempre precisa lembrar: o FGC é alimentado pelo sistema, e esse custo volta em forma de crédito mais caro.”
Fundos de pensão e o eco da Lava Jato
Um dos pontos mais sensíveis do programa foi o investimento de fundos de previdência em ativos ligados ao Banco Master, incluindo o caso da RioPrevidência, que teria aportado cerca de R$ 1 bilhão, segundo citou Saravalle. Ele lembrou que o Tribunal de Contas já havia feito alertas para que esse tipo de alocação não fosse realizado.
“O TCE dizia ‘não façam esse investimento, não faz sentido’. E, mesmo assim, a decisão foi tomada. Minha preocupação é: por que órgãos de controle não estão sendo respeitados?”
Saravalle fez um paralelo com escândalos passados envolvendo fundos de pensão de grandes estatais, como já se viu na era pós-Lava Jato. A avaliação é de que, mais uma vez, recursos destinados à aposentadoria podem ser colocados em risco por decisões de gestão questionáveis.
Educação financeira: quando a taxa alta vira armadilha
Do lado da pessoa física, Felipe Nascimento destacou como a baixa cultura de risco ainda pesa nas decisões de investimento. “O investidor olha a taxa, não o risco. Quando a rentabilidade é muito alta, o risco também é muito alto. E muita gente não faz essa conexão.”
O analista lembrou que, no caso do Banco Master, as taxas elevadas se tornaram ainda mais agressivas com a negociação dos títulos no mercado secundário, à medida que cresciam as desconfianças de governança. Para ele, o episódio deixa mais uma lição. “Quando a esmola é demais, o santo tem que desconfiar. Não dá para olhar só a promessa de retorno e ignorar risco de crédito, risco de governança e risco estrutural.”
Política, CPI e o risco de “pizza”
O programa também abordou a repercussão política do caso em Brasília, com governistas articulando a possibilidade de uma CPI do Banco Master. Felipe Nascimento ressaltou que o Congresso já opera no limite com outras comissões e pautas relevantes, como reforma tributária, orçamento e CPIs em andamento, e que uma nova CPI exigiria capital político e estrutura que hoje são escassos.
“Uma CPI consome tempo, energia e espaço de mídia. Em ano eleitoral, é difícil sustentar duas ou três CPIs ao mesmo tempo, por mais relevante que o tema seja.”
Para Musa, uma eventual CPI poderia expor conexões incômodas entre o banco e figuras de peso da política nacional, tanto da base governista quanto da oposição, mas há o risco de o processo terminar em frustração. “No Brasil, tudo pode caminhar para uma grande pizza. Mas é inevitável que uma CPI exponha vísceras que, sem esse instrumento, ficariam debaixo do tapete.”
Sistema financeiro sob teste e a lição para o investidor
Ao final, o consenso entre os convidados é que o caso Banco Master não representa risco sistêmico imediato, mas é um choque relevante para a credibilidade do sistema, dos órgãos de controle e da própria cultura de investimento no país.
Musa resume a lição de forma direta. “Quando o prêmio é demais, desconfie. Se você entra nessa lógica de fechar os olhos para o risco por causa da taxa, você está financiando um sistema que, mais cedo ou mais tarde, desaba.”
O episódio, avaliam os analistas, deve acelerar discussões sobre regulação, transparência, critérios de investimento de fundos de pensão e limites do FGC, ao mesmo tempo em que reforça, para o investidor comum, a importância de olhar além da rentabilidade e entender o risco real por trás de cada promessa de retorno.
