Quase metade dos brasileiros não tem nenhuma reserva para emergências, e entre os que guardam, 57% só conseguiriam manter seus gastos por, no máximo, um ano. Esse é o retrato mais recente da relação do brasileiro com o dinheiro, revelado por uma pesquisa nacional conduzida pelo Instituto Datafolha, a pedido da Planejar — Associação Brasileira de Planejamento Financeiro.
O levantamento foi realizado entre os dias 16 e 29 de julho de 2025, com 2 mil pessoas com 18 anos ou mais, das classes A, B e C, todas com acesso à internet, em todas as regiões do país. A amostra foi estruturada para representar o público mais propenso a fazer algum tipo de planejamento financeiro. Ainda assim, os resultados evidenciam um padrão que preocupa: o brasileiro continua agindo com foco exclusivo no presente, mesmo ao investir.
Segundo os dados, 43% dos entrevistados não possuem qualquer valor guardado para emergências. Entre os que possuem (57%), a maioria conseguiria manter o padrão de vida por, no máximo, 12 meses. Apenas 9% afirmam ter uma reserva capaz de durar mais do que isso. O perfil predominante entre os que não têm reserva: 62% são mulheres, 78% pertencem à classe C, 43% estão no Sudeste, têm idade média de 40 anos e renda familiar de aproximadamente R$ 4 mil.
Esse padrão de comportamento vai além da renda ou do acesso à informação: ele foi moldado historicamente por um cenário de hiperinflação, instabilidade institucional e insegurança econômica. Durante décadas, guardar dinheiro era sinônimo de perda. O tempo era inimigo do valor. A resposta comportamental foi racional naquele contexto: consumir rápido, viver o agora. Essa mesma urgência que comandava o consumo passou a ditar também como se guarda e investe. A reserva financeira é pensada para a próxima emergência, raramente para um projeto de médio ou longo prazo.
A estabilização econômica trouxe inflação controlada, mas não reverteu esse padrão mental. O consumo passou a simbolizar ascensão social, e a lógica da urgência foi incorporada também à poupança e aos investimentos. O brasileiro médio até guarda, mas dificilmente constrói patrimônio. E quando investe, busca liquidez imediata, evita risco e ignora horizontes de longo prazo.
Estamos diante de um claro caso de miopia temporal, um viés comportamental no qual benefícios futuros são sistematicamente subestimados em favor de recompensas imediatas, mesmo quando estas são menores. A falta de reserva e a baixa disposição para o longo prazo refletem, portanto, um modelo mental enraizado, que vai muito além da simples limitação de renda.
Corrigir esse descompasso exige mudança de comportamento, de percepção de valor e de relação com o tempo. E esse processo começa com o planejamento financeiro como instrumento de visão, estratégia e autonomia.
Alguns princípios são fundamentais para romper esse ciclo:
- Criar uma reserva de emergência que cubra de 6 a 12 meses de despesas fixas. Esse é o alicerce da estabilidade.
- Estabelecer objetivos financeiros segmentados por prazo: curto (até 2 anos), médio (2 a 5 anos) e longo (mais de 5 anos).
- Alocar recursos conforme o prazo e o risco de cada meta, evitando o erro de manter tudo em liquidez diária.
- Automatizar aportes regulares, para reduzir a influência da procrastinação e manter a constância.
- Revisar os objetivos periodicamente, ajustando a estratégia conforme mudanças de renda, estrutura familiar ou cenário macroeconômico.
Enquanto o tempo não for tratado como ativo, o brasileiro permanecerá preso a um modelo mental de sobrevivência financeira. Sem visão de longo prazo, o planejamento se limita a controle de orçamento, e investimento se reduz a simples reserva de liquidez. O conceito de acúmulo se esvazia, e o futuro vira apenas uma versão prolongada do presente.
*Coluna escrita por Carlos Castro, planejador financeiro pessoal, CEO e sócio fundador da plataforma de saúde financeira SuperRico
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