O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu manter a taxa básica de juros, a Selic, em 15% ao ano. A decisão, tomada de forma unânime, foi acompanhada de um comunicado firme, que reafirma o compromisso da autoridade monetária com o controle da inflação e a condução responsável da política monetária. A leitura do mercado foi imediata: o Banco Central adota uma postura cautelosa diante do cenário fiscal delicado e das incertezas que antecedem o período eleitoral de 2026.
Especialistas consultado destacaram que, embora a decisão já fosse esperada, o tom adotado pelo Copom surpreendeu pela manutenção de uma linguagem considerada “hawkish”, ou seja, mais dura e voltada para o combate à inflação. O consenso é de que o ambiente fiscal pressionado, somado a um mercado de trabalho ainda aquecido e a expectativas desancoradas de inflação, justificam a escolha de manter a Selic em patamar elevado por mais tempo.
Por que o Copom manteve a Selic tão alta?
Para Harrison Gonçalves, CFA Charterholder e membro do CFA Society Brazil, a manutenção da Selic e o tom firme do comunicado refletem a postura prudente do Banco Central diante das incertezas políticas e fiscais. Ele lembra que o país atravessa um momento de gasto público elevado e falta de consenso entre os Poderes.
“O Copom adotou um tom hawkish, guiado por expectativas de inflação desancoradas, principalmente devido ao ambiente fiscal. A mensagem do novo presidente do Banco Central foi clara ao reforçar o compromisso com o controle da inflação e da demanda”, afirmou o economista. Segundo ele, a situação é análoga à dos Estados Unidos, onde a política monetária também enfrenta pressões, mas segue firme no combate à alta de preços.
Na mesma linha, Marcos Moreira, sócio da Garten Capital, destacou que o grande foco do mercado não era a decisão em si, mas o tom do comunicado. “O Banco Central manteve a expressão ‘por período bastante prolongado’, o que reforça a percepção de que não haverá cortes de juros neste ano. O comitê reconheceu a inflação ainda elevada e as expectativas desancoradas, especialmente no horizonte de 18 meses, além de um mercado de trabalho que segue apertado”, disse Moreira. Para ele, o cenário atual indica que os primeiros cortes podem ocorrer apenas no fim do primeiro trimestre de 2026, provavelmente em março, ainda sem clareza sobre o ritmo de flexibilização.
O economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, reforçou que o comunicado foi muito semelhante ao da reunião anterior, o que demonstra coerência na comunicação do Banco Central. “O Copom manteve o termo ‘bastante prolongado’, confirmando a expectativa de uma política monetária prudente. Também reforçou que não hesitará em retomar o ciclo de alta de juros, se necessário”, analisou. Ele destacou ainda a redução da projeção de inflação para o segundo trimestre de 2027, que caiu de 3,4% para 3,3%, aproximando-se da meta de 3%, o que foi visto como um sinal positivo de convergência gradual.
Setores mais impactados com a Selic elevada
Enquanto os economistas observam o cenário macro, o setor produtivo sente diretamente os efeitos da taxa elevada. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia, alertou que a manutenção da Selic em 15% ameaça novos investimentos e pode comprometer a geração de empregos.
“A construção é um dos setores mais sensíveis ao custo do crédito. Manter os juros nesse nível por muito tempo é apostar em uma desaceleração prolongada da economia real”, afirmou. A CBIC reduziu recentemente a projeção de crescimento do setor de 2,3% para 1,3% em 2025, refletindo os efeitos do ciclo de juros altos e do crédito mais caro para empresas e consumidores.
De forma complementar, Cristiano Oliveira, diretor de pesquisa macroeconômica do Banco Pine, avaliou que o comunicado praticamente elimina qualquer chance de corte em dezembro. Ele classificou a atual gestão do Banco Central, sob Gabriel Galípolo, como a “mais hawkish desde 2016”. Na sua visão, o início do ciclo de afrouxamento monetário deve ocorrer apenas na primeira reunião de 2026, em linha com a comunicação recente dos membros do Copom.
Expectativas de inflação e balanço de riscos
Para o economista Leonardo Costa, do ASA, o comunicado foi lido como neutro, porém levemente inclinado para o lado restritivo. Ele destacou que a projeção de inflação em 3,3% para o segundo trimestre de 2027 confirma que o Banco Central enxerga o processo de desinflação em curso, embora ainda vulnerável.
“O ambiente externo segue incerto, principalmente por conta da conjuntura política e econômica dos Estados Unidos, e o balanço de riscos continua elevado. O Copom reforçou a necessidade de manter uma política monetária significativamente contracionista por período prolongado”, avaliou Costa.
Já o investidor e CEO da Equity Group, João Kepler, observou que a decisão reforça a percepção de que o Banco Central considera o ritmo de desinflação satisfatório, mas ainda insuficiente para cortes imediatos. “O comitê optou por preservar a estabilidade e mostrou coerência. Para os investidores, o ambiente de juros altos segue favorável à renda fixa, mas a previsibilidade começa a abrir espaço gradual para ativos de risco”, analisou.
Quando a Selic pode começar a cair?
O consenso entre os especialistas é de que o Banco Central mantém uma postura firme e independente, mesmo sob pressão política. A manutenção da taxa em 15% foi recebida como um sinal de compromisso com a estabilidade econômica. Embora a inflação mostre desaceleração e o PIB avance em linha com as previsões, ainda há preocupação com o impacto dos gastos públicos e com o ambiente eleitoral.
Nesse sentido, o primeiro trimestre de 2026 se desenha como o período mais provável para o início de cortes na Selic, caso o cenário fiscal se estabilize e as expectativas de inflação continuem convergindo para a meta. Enquanto isso, os analistas concordam que a comunicação do Banco Central cumpre o papel de ancorar expectativas e preservar a credibilidade da política monetária. Em um cenário de incertezas internas e externas, o tom duro adotado pelo Copom é visto como uma escolha necessária para garantir a confiança dos investidores e a estabilidade da economia brasileira.