O encontro entre o presidente Donald Trump e o presidente Xi Jinping, realizado na Coreia do Sul, é mais do que um episódio diplomático pontual: é um retrato simbólico das transformações profundas em curso na arquitetura do poder global. As conversas revelaram não apenas o estado das relações sino-americanas, mas sobretudo o reconhecimento tácito de uma transição histórica: o mundo já não é unipolar — é dual, competitivo e interdependente.
A primeira lição que se extrai dessa reunião é evidente, embora muitos ainda relutem em admiti-la: os Estados Unidos já não exercem a hegemonia incontestável que marcaram a segunda metade do século XX. A China ascendeu, silenciosa e metodicamente, à condição de potência global sem recorrer à força, sem disparar uma bala sequer. Sua ascensão foi construída pela via do comércio, da inovação e da diplomacia paciente — e esse avanço transformou o mundo de um G1 em um G2.
Trump, com sua retórica triunfalista, viu-se obrigado a reconhecer essa nova realidade. A tentativa de reconstruir um domínio americano absoluto esbarrou num fato incontornável: a China já se tornou parte indispensável das cadeias produtivas globais, da estabilidade financeira e da governança internacional. O século XXI já não admite hegemonias; exige equilíbrio.
A segunda lição é a demonstração de como Pequim soube manejar, com precisão cirúrgica, instrumentos econômicos simples para exercer influência política de alcance global. A China utilizou dois mecanismos — a soja e os minerais de terras raras — que pressionaram simultaneamente três pilares de poder dentro dos Estados Unidos: o agronegócio, o setor tecnológico e o complexo militar-industrial.
No caso da soja, o movimento chinês foi particularmente hábil. Com as eleições de meio de mandato se aproximando, Trump enfrentava uma pressão crescente do setor agrícola, base tradicional de seu eleitorado MAGA. A guerra comercial ameaçava falir produtores em diversos Estados republicanos — e, com cada Estado elegendo dois senadores, a crise agrícola poderia comprometer a maioria do partido no Senado. Pequim sabia disso e usou a demanda por soja como peça estratégica no tabuleiro da negociação.
Quanto aos minerais de terras raras, a China atingiu outro nervo vital: a indústria tecnológica e militar americana. Esses insumos são indispensáveis para a produção de semicondutores, equipamentos de defesa e tecnologia de ponta. Ao controlar sua exportação, Pequim colocou sob tensão não apenas empresas como Amazon e Meta — cujo apoio fora crucial a Trump no início do mandato —, mas também o próprio Pentágono, dependente desses recursos para manter a supremacia militar dos Estados Unidos.
Em síntese, a China movimentou poucas peças, mas obteve um efeito de pressão convergente sobre os três grupos de maior influência em Washington.
A terceira lição está na capacidade da diplomacia chinesa de permitir que Trump declarasse vitória — sem, contudo, ceder substância. Ao oferecer cooperação na questão do fentanil, um tema de forte apelo interno nos Estados Unidos, Xi Jinping deu a Trump uma conquista política simbólica. Mas, em contrapartida, obteve o que realmente importava: o reconhecimento internacional de seu papel responsável e o afrouxamento de tarifas sobre produtos chineses.
Trump, por sua vez, fez concessões tangíveis — inclusive em áreas estratégicas como portos e transporte marítimo —, e obteve apenas um respiro temporário. Ele sabe que, no médio prazo, não pode alterar o equilíbrio de forças. Na soja, enfrenta a concorrência do Brasil e da Argentina; nos minerais raros, uma diversificação de fornecedores levaria entre cinco e seis anos — tempo suficiente para a história consolidar a percepção de que os Estados Unidos perderam a dianteira tecnológica e industrial.
O que se observa, portanto, é a cristalização de um novo realismo global: a China alcança seus objetivos com paciência e cálculo, enquanto os Estados Unidos os buscam com retórica e pressão. A diferença entre ambos é de método, não de ambição — mas é o método que decide o resultado. Pequim demonstra que, no século XXI, poder é a arte de mover o mundo sem mover exércitos.
Trump sai do encontro com um alívio temporário, mas também com a consciência de que o eixo do poder mundial está se deslocando. Sua presidência, que buscava restaurar a hegemonia americana, corre o risco de ser lembrada como o momento em que ela começou, de fato, a declinar.
A China, fiel à sua tradição estratégica, não celebrou, não anunciou, não provocou. Apenas esperou. E, como tantas vezes em sua história milenar, venceu pelo simples ato de compreender o tempo — e agir no momento exato.
















