Donald Trump elevou a pressão sobre a Rússia com novas sanções que miram diretamente as gigantes do petróleo Rosneft e Lukoil. A medida recoloca energia e commodities no coração da disputa geopolítica e reacende o debate sobre custos, oferta e segurança energética em escala mundial. No BM&C Visões, Isabela Tacaki recebeu Marcos Schotgues, jornalista e especialista em assuntos internacionais para destrinchar impactos, motivações e possíveis cenários da relação entre Trump e Putin.
As sanções chegam em um momento de fragilidade relativa da economia russa após anos de guerra e sucessivas restrições. Segundo Schotgues, quando energia fica volátil, ativos como petróleo e ouro tendem a se valorizar, o que afeta cadeias industriais e o bolso do consumidor no mundo todo. Nesse sentido, a leitura é de que a estratégia energética dos Estados Unidos combina objetivos domésticos e externos, com efeitos que extrapolam a fronteira do conflito.
Trump e Putin: o que está por trás das novas sanções?
Desde o início do mandato, a Casa Branca tem usado a energia como pilar de política econômica e de relações internacionais. A lógica é dupla. De um lado, busca-se reduzir custos de produção para fortalecer a reindustrialização e a competitividade interna. Do outro, pressiona-se adversários que dependem de exportar petróleo e gás para financiar gastos militares e sociais. A Rússia é um caso emblemático e a China permanece como observadora interessada, dada a sua necessidade de energia barata para sustentar a manufatura.
Marcos Schotgues resume a mudança de clima com referência a um debate recente no meio acadêmico americano e destaca que a energia voltou ao centro da disputa. “A pergunta é se a instrumentalização da energia voltou” e se a energia como uma arma está de volta“. Para além do diagnóstico, ele chama atenção para a condição de sucesso das medidas. “O efeito dessas sanções vai depender de fiscalização” e de coordenação com aliados, afirma o convidado.
Como as sanções podem influenciar petróleo e ouro?
Em períodos de incerteza, o mercado costuma precificar risco no curto prazo. Por isso, oscilações de petróleo e ouro funcionam como termômetro da tensão geopolítica. Ao mesmo tempo, o consumidor sente os efeitos na bomba e a indústria recalibra custos. Enquanto isso, a Rússia enfrenta o desafio de manter exportações sob múltiplas restrições e a Europa reforça alinhamento regulatório para evitar atalhos comerciais que diluam o impacto das medidas.
Schotgues lembra que a Rússia se tornou o país mais sancionado do mundo e que a mira atual em Rosneft e Lukoil atinge o coração da máquina de receita. “Essas sanções mordem” porque tocam empresas que irrigam o caixa do Estado, avalia. Por outro lado, ele pondera que a efetividade depende do fechamento de rotas de evasão. “Houve triangulações com países intermediários e é preciso cortar esse oxigênio para que a pressão funcione”, comenta.
Trump e Putin: onde o Brasil entra nesse novo ciclo?
O Brasil surge como potencial beneficiário no tabuleiro energético. A aprovação de novas frentes de exploração, como a Foz do Amazonas, pode reposicionar o país entre os maiores produtores de petróleo. Além disso, a presença de reservas de terras raras abre oportunidade para integrar cadeias de valor críticas da economia digital, da indústria de chips à infraestrutura de inteligência artificial. Por outro lado, persistem gargalos de ambiente de negócios e de complexidade tributária que precisam ser enfrentados para atrair capital de longo prazo.
Nesse contexto, Schotgues vê uma janela para o país se posicionar com pragmatismo. “O Brasil tem recursos e uma posição diplomática que permite dialogar com diferentes polos” e, se combinar previsibilidade regulatória com projetos de transição energética, “pode ganhar relevância” no novo ciclo. Além disso, a leitura do convidado sugere que o equilíbrio entre exploração de fósseis e avanço em tecnologias limpas será observado por investidores globais.
As sanções podem encurtar a guerra?
Essa é a pergunta que norteia parte do debate. A resposta curta indica que o impacto econômico tende a crescer à medida que o cerco regulatório se fecha e os canais de evasão perdem espaço. Porém, a dinâmica do conflito envolve fatores militares, logísticos e políticos que escapam à aritmética pura de receitas e despesas. “Potências com ambição estratégica podem priorizar objetivos geopolíticos acima do econômico” e isso prolonga incertezas, afirma Schotgues. Ainda assim, a pressão simultânea sobre receita, logística e parceiros comerciais cria um ambiente menos confortável para Moscou.
Quais os próximos sinais a observar?
- Trajetória do preço do barril e do ouro em janelas de maior volatilidade
- Rigor do enforcement em alfândegas e acordos com parceiros europeus e asiáticos
- Fluxos de energia entre Rússia, Índia, China e Europa com atenção a triangulações
- Avanços do Brasil em exploração, licenciamento e projetos de transição energética
- Evolução do investimento em cadeias de terras raras e semicondutores
Trump e Putin em disputa que transcende o campo de batalha
A nova rodada de sanções mostra que a disputa entre Trump e Putin se travará tanto na frente militar quanto nos corredores da energia, do compliance aduaneiro e da tecnologia estratégica. Além disso, o redesenho das cadeias de suprimento deve reorganizar ganhadores e perdedores entre produtores, consumidores e países com vantagem em recursos naturais. “Estamos diante de um ponto de inflexão que vai definir a próxima década” e que recoloca energia e minerais críticos como vetor de poder e crescimento, conclui Schotgues.
Por fim, o Brasil pode ser peça relevante se combinar pragmatismo externo com reformas internas que reduzam custo de capital e incorporem inovação. Se a diplomacia souber aproveitar a janela, o país tem como ampliar seu papel no xadrez energético e capturar oportunidades em um cenário no qual a energia volta a ser arma e ativo estratégico ao mesmo tempo.