Quando seus índices de popularidade não paravam de cair, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu os conselhos do ministro Sidonio Marques e diminuiu ao máximo suas improvisações. Passou a ler discursos e a evitar temas polêmicos. Mas conforme as pesquisas mostraram uma recuperação nas pesquisas que medem sua aprovação, Lula voltou a improvisar – e a escorregar.
Um exemplo foi a frase infeliz na qual afirmou que os traficantes eram “vítimas dos usuários”. O Planalto produziu uma resposta protocolar para tentar contornar o mal-estar causado pela idiotice dita pelo presidente, definindo o escorregão como “uma frase mal colocada”. Nas oitenta palavras do texto oficial publicado pelo governo, no entanto, não há um pedido explícito de desculpas.
Logo em seguida, o presidente Lula – quem sabe embalado pelo excesso de autoconfiança – resolveu cutucar a onça com vara curta e voltou a defender o uso de moedas locais em transações comerciais no mercado internacional, um tema que vem sofrendo ataques do presidente Donald Trump, com quem se encontrou ontem.
O clima da reunião foi aparentemente muito bom, como demonstrou a entrevista coletiva dos dois presidentes: uma intenção mútua de cooperação. Um detalhe, porém, passou despercebido para a maioria das pessoas. Na hora em que perguntaram sobre Jair Bolsonaro, Lula soltou um sorriso irônico, abrindo os braços, como se protestasse contra a questão. Trump falou sobre o ex-presidente, mas quando inquirido sobre se esse assunto estava na pauta disparou: “It’s not your business” (“Não é da sua conta”).
Tudo indica que os interesses econômicos dos Estados Unidos superaram a pauta ideológica sobre a qual se falou muito entre julho e setembro. E as teorias elaboradas pelo deputado Eduardo Bolsonaro, de que Trump estava atraindo Lula para uma armadilha, se mostraram inócuas.
A essa altura do campeonato, com um entendimento encaminhado junto aos EUA, Lula se acha o franco favorito para as eleições do ano que vem. Mas o pleito de 2026 é bem diferente daquele disputado em 2022. Em primeiro lugar, seu adversário não será Jair Bolsonaro, o que muda significativamente a dinâmica da disputa.
Nas últimas eleições presidenciais, 46% dos eleitores de Lula diziam que iriam votar nele para tirar Bolsonaro do poder; do outro lado do espectro ideológico, 48% dos eleitores do então presidente não queriam a “volta do PT”. Em tese, esse duelo de rejeições pode não se repetir, já que o ex-presidente está fora do pleito, e isso pode abrir espaço para uma candidatura de oposição. A esses dados soma-se outro: segundo uma pesquisa conduzida com 10.000 pessoas, 54% dos brasileiros não se enxergam como lulistas ou bolsonaristas (estudo realizado pela ONG More in Common em parceria com o Instituto Quaest).
Talvez seja muito cedo para Lula cantar vitória, embora ele esteja concorrendo com uma direita por enquanto esfacelada e tenha dividendos eleitorais concretos para mostrar ao grande público (a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5.000,00 mensais). O resultado ainda está aberto e vai depender principalmente da estratégia que a direita vai utilizar daqui para frente. Se os conservadores insistirem em fomentar a polarização através do nome Bolsonaro, a possibilidade de derrota cresce; mas se apostarem em uma campanha dissociada do bolsonarismo, suas chances podem aumentar.
O encontro com Trump tem tudo para produzir outras vitórias políticas e/ou econômicas para Lula. Se isso ocorrer, o presidente vai se sentir cada vez mais vitorioso por antecipação — e é aqui que mora o perigo para o PT. Como se viu nos últimos dias, o chefe da Nação pode se sentir cada vez mais à vontade para improvisar em encontros públicos. Isso pode trazer escorregadelas que devem se transformar em munição por parte dos opositores.
Como diria Henry Ford, “o sucesso é um inimigo traiçoeiro, pois ele te faz acreditar que você não precisa mais se esforçar”. No caso de Lula, porém, o que o impele não é exatamente o êxito, mas um otimismo incontrolável de que a vitória será obtida. Esse otimismo, se não for acompanhado de cautela, pode transformar cada aparição pública em um campo minado. E numa eleição sem o antagonismo explícito de 2022, cada deslize pode custar caro.