A licença ambiental na Margem Equatorial recolocou o Brasil no radar do setor energético e acendeu uma pergunta incômoda para mercados e governo. A euforia vista no passado pode voltar a ditar decisões que priorizam ciclos de commodities e adiam reformas e produtividade. No Painel BM&C, Paula Moraes e Felipe Nascimento conduziram Bruno Musa, Roberto Dumas e Marco Saravalle em um debate direto sobre Petrobras, governança e o papel das políticas públicas na construção de valor de longo prazo.
Os convidados convergiram na cautela com a repetição do roteiro do pré-sal, quando promessas de industrialização se diluíram em expansão de gastos e uso político de estatais. Além disso, a discussão avançou para as terras raras, ativo estratégico na nova economia de tecnologia e automação. Nesse sentido, a dúvida central é se o Brasil seguirá como exportador de insumos brutos ou se conseguirá criar uma cadeia que capture margens, conhecimento e investimento privado.
Setor energético: Petrobras entre foco e dispersão
Marco Saravalle lembrou que o planejamento da Petrobras aponta foco em exploração e produção, com ganhos de eficiência e desalavancagem. Por outro lado, o mercado observa sinais de retorno a movimentos de integração que incluem petroquímica e distribuição, o que acende alertas de alocação de capital e disciplina em taxas de retorno. Enquanto isso, Bruno Musa pontuou que margens em queda nos últimos trimestres exigem vigilância para evitar que lucros de hoje se convertam em prejuízos amanhã.
Os números são superlativos e por si só atraem a política. Saravalle citou projeções bilionárias de impostos e dividendos ao longo do próximo plano estratégico. Nesse sentido, o desenho de dividendos extraordinários pode virar fonte flexível de caixa para o Tesouro, o que reforça a necessidade de governança a fim de blindar a estatal de agendas de curto prazo. Dumas trouxe a régua do investidor e questionou se alguém aplicaria em uma empresa que abdica de maximizar lucro e perenidade.
Entre volatilidade do barril e previsibilidade do uso político do ciclo, Musa foi enfático ao apontar a segunda opção como a maior ameaça. Além disso, ele resgatou experiências regionais que combinaram boom de commodities e populismo fiscal, com ganhos de curto prazo e custos duradouros. Nesse sentido, a lição é simples e dura. Receitas extraordinárias aliviam o caixa, mas não substituem ajuste de despesas e produtividade.
Terras raras podem virar valor ou só mais um embarque
O Brasil aparece entre os países com grandes reservas, porém ainda com produção irrisória quando comparada à liderança global. Enquanto isso, os Estados Unidos avançam em acordos com a Austrália que contemplam mineração e etapas de processamento, deixando evidente que a disputa se dá na cadeia inteira. Felipe Nascimento destacou que sem planejamento e metas para mineração, transformação e manufatura, o país volta a vender bruto e importar tecnologia embutida.
Dumas advertiu que rotular tudo como estratégico tende a atrair intervenção lenta e ineficiente. Por outro lado, uma alternativa seria destravar projetos privados com mecanismos de salvaguarda como golden share para decisões sensíveis. Nesse sentido, parcerias público privadas, regras claras de licenciamento e padrões internacionais como os Princípios do Equador podem mitigar impactos e viabilizar investimento com responsabilidade ambiental.
Além do setor energético: como sair do ciclo de commodity e construir produtividade
O trio convergiu em um ponto. Sem produtividade, a economia envelhece e cresce menos. Além disso, a roda de crescimento não gira apenas com formação bruta de capital quando há restrições fiscais. O ganho estrutural vem de eficiência, ambiente de negócios e cadeias com maior valor agregado. No petróleo, isso significa governança para manter foco no core e disciplina de capital. Nas terras raras, isso implica atrair processamento, tecnologia e manufatura para o território nacional.
As oportunidades seguem abertas e a demanda global é robusta, em especial com a expansão da inteligência artificial e da eletrificação. Entretanto, o relógio corre. Nesse sentido, o risco é repetir o passado, com exportação primária e vulnerabilidade a choques de preço e de demanda externa. Por outro lado, uma vitrine internacional como a COP pode ser usada para apresentar metas críveis de licenças, investimentos, etapas industriais e cronograma de implantação.
Os passos práticos o Brasil precisa dar:
- Definir um plano de cadeia completa que inclua mineração, processamento e manufatura com metas transparentes
- Estabelecer licenciamento previsível com salvaguardas ambientais reconhecidas internacionalmente
- Priorizar instrumentos que atraiam capital privado e tecnologia sem dispersar foco estratégico
- Blindar a Petrobras com governança e métricas de retorno que preservem valor do acionista
- Fomentar produtividade com políticas horizontais que reduzam custo Brasil e ampliem competição
O futuro vai repetir o passado?
A resposta depende de escolhas feitas já. Enquanto isso, o debate do Painel BM&C mostra que há consenso sobre a necessidade de disciplina fiscal, governança nas estatais e políticas que incentivem valor agregado. Além disso, a agenda de transição energética pode ser financiada com racionalidade, respeitando taxas de retorno e evitando destruição de valor. Se o Brasil aproveitar a segunda chance no petróleo e o potencial das terras raras, o setor energético pode se tornar alavanca de produtividade e não apenas mais um ciclo de promessas.