Por Carlos Castro*
Poucas vezes paramos para refletir sobre o lado do “gastar” em si. Durante a pandemia, com comércios fechados, mobilidade restrita e auxílio governamental em muitos países, a taxa de poupança das famílias disparou. Um estudo do Federal Reserve mostra que, em economias avançadas, essa taxa chegou a dobrar ou mais no segundo trimestre de 2020 em relação à tendência pré-crise. No Brasil, embora a medição direta possa variar, sabemos que o comportamento de contenção de gastos também existiu.
Quando a economia reabriu, veio um forte repique: consumo mais intenso, inflação elevada, custos de bens e serviços subindo rapidamente. No Brasil, segundo o IBGE, a inflação medida pelo IPCA saltou para 10,06% em 2021 — um avanço expressivo frente aos 4,31% de 2019. Esse fenômeno não foi apenas resultado da dinâmica entre oferta e demanda: parte do descontrole vem do fato de que, acumuladas as “reservas” da pandemia, muitos passaram a gastar com certa impulsividade — ou por necessidade emocional de retorno à normalidade.
A saída da pandemia não foi apenas um processo econômico — foi também um fenômeno emocional. Ficamos privados de experiências, contato, movimento. Quando o “freio de mão” foi liberado, a forma de compensação veio no consumo. O problema é que essa relação emocional com o dinheiro não passou com a reabertura; pelo contrário, ganhou novos contornos. Hoje vivemos uma combinação perigosa: inflação persistente, padrão de consumo mais elevado, endividamento crescente — e, sobretudo, emoções que conduzem o gasto.
A pandemia escancarou nossa dificuldade de lidar com o dinheiro como extensão das nossas emoções. Durante o isolamento, a poupança aumentou porque fomos obrigados a conter o consumo; mas, ao retomar a vida, sem barreiras externas, voltamos a gastar sem o mesmo controle — como se tentássemos compensar o tempo contido.
Poupamos mais quando o mundo nos forçou a parar; gastamos mais quando voltamos a ter escolha. Esse ciclo revela que o problema não é apenas saber economizar, mas saber conviver emocionalmente com a liberdade de gastar.
O planejamento financeiro não se resume a “guardar mais”, mas a “gastar melhor”.
Poupar sem consciência do gasto é como construir um telhado sem medir os pilares. Quando falamos de orçamento, imaginamos que ele seja um instrumento racional: definimos metas, controlamos receitas e despesas, eliminamos supérfluos, tentamos enquadrar nosso padrão de vida. Tudo isso é certo — mas insuficiente.
O que quase não se aborda é que nosso comportamento e nossas emoções influenciam profundamente quanto e por que gastamos. Vivemos o que costumo chamar de “era da inflação emocional”. A inflação da economia eleva os preços de bens e serviços; a inflação emocional eleva o custo de manter um padrão de vida que talvez seja maior do que nossa real condição permite.
Compras por impulso, o “ter” para confortar a ansiedade, recompensas imediatas para aliviar a tensão — tudo isso faz parte da dinâmica. Na fase pós-pandemia, observamos consumos motivados por “alívio de humor”, “busca por socialização” e “estresse” como gatilhos de compra. Além disso, quando a pandemia nos privou de consumir, surgiu a necessidade de gastar para recuperar o que ficou para trás.
Logo, não basta reduzir despesas. É preciso entender:
- qual é o padrão de vida que escolhi — e quanto ele realmente custa;
- quanto desse padrão está sendo puxado por hábito, desejo emocional ou comparação social;
- e como ajustar esse padrão às minhas possibilidades, para que meu “gastar” contribua para a liberdade — e não para o aprisionamento.
Como aprendemos a gastar — com consciência e equilíbrio emocional
Se durante a pandemia fomos forçados a economizar, agora precisamos aprender a criar nossas próprias barreiras de consumo — de forma consciente, voluntária e emocionalmente inteligente. Não precisamos de uma nova quarentena, mas precisamos aprender a colocar limites saudáveis entre o desejo e a decisão de gastar.
Aqui vão três pilares para colocar isso em prática:
- Conheça seu padrão de vida real: se eu mantivesse tudo que faço hoje — moradia, transporte, alimentação, lazer, assinaturas, crédito — qual seria meu gasto mensal? E qual seria o gasto ideal se eu quisesse manter um colchão de segurança, investir ou ter uma margem para imprevistos? Faça esse exercício e, depois, compare com o que realmente gasta — reconheça eventuais excessos ou “gastos emocionais”. Só se administra o que se mede.
- Entenda o papel da emoção no seu gasto: identifique situações em que você compra para lidar com ansiedade, tédio, desejo de recompensa ou estresse. Pergunte-se: “Por que estou fazendo essa compra? Vai agregar ao meu padrão de vida ou apenas preencher um vácuo?” Durante a pandemia, emoções negativas levaram a compras de compensação ou escape. Por isso, crie suas próprias pausas: para compras acima de determinado valor ou fora da rotina, aguarde 24 ou 48 horas antes de confirmar. Essa simples espera funciona como uma “mini quarentena emocional” — e ajuda a desacelerar o impulso.
- Ajuste o gasto ao seu objetivo — e ao seu emocional: se o seu padrão de vida ideal está acima ou muito próximo dos seus recursos, ajuste. E faça isso não só por “razão” financeira, mas por bem-estar. Significa menos ansiedade com contas, menos dependência de crédito e mais liberdade futura. Se determinado gasto está ligado à emoção — por exemplo, gastar muito em lazer para compensar estresse — busque alternativas que custem menos, mas que continuem entregando valor como um encontro com amigos em casa, um evento cultural local, um hobby novo. E, principalmente, reserve parte do seu orçamento para o “gasto consciente”. Não se trata de eliminar lazer ou prazer — trata-se de escolher bem: gastar com o que importa, com consciência, e não deixar que o “padrão emocional” dite suas escolhas.
Mais do que controlar a renda, precisamos administrar os gastos
Enquanto sabemos — e precisamos — economizar, o grande salto agora é aprender a gastar com inteligência. Saber o que fazer com o dinheiro, mas também por que fazemos. Na administração do gasto mora a liberdade — e também o risco.
Ter dinheiro sobrando é necessário, investir é fundamental, mas gastar bem, gastar consciente, é o que realmente transforma o planejamento financeiro em vida mais tranquila — e não em ansiedade permanente.
A pandemia mostrou que somos capazes de poupar quando a vida nos impõe barreiras. Agora, o desafio é criar nossas próprias barreiras — não por restrição, mas por consciência. Porque, no fim, administrar gastos é mais efetivo para o bem-estar financeiro do que simplesmente controlar a renda. A renda pode crescer — mas, se o gasto crescer junto, o conforto nunca chega. É no controle do gasto, e não na expansão da renda, que mora o verdadeiro equilíbrio financeiro.
*Coluna escrita por Carlos Castro, planejador financeiro pessoal, CEO e sócio fundador da plataforma de saúde financeira SuperRico
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