Falar sobre dinheiro com crianças pode ser uma tarefa desafiadora, um passo fundamental para preparar os jovens para lidar com finanças de maneira eficaz na vida adulta. De acordo com a superintendente de Negócios para Pessoa Física da B3, Christianne Bariquelli, e o psicanalista Júnior Silva, esse tipo de educação abrange mais do que o simples cálculo de valores, englobando também lições valiosas sobre emocionalidade e comportamento. Afinal, a introdução a esse tema começa, muitas vezes, pela observação dos hábitos familiares.
A cultura predominante no Brasil foca no sucesso profissional por meio do trabalho formal, o que Júnior Silva chama de “mentalidade operária”, raramente incentivando que jovens cultuem a independência financeira ou o empreendedorismo. “Crescemos ouvindo que o sucesso é arrumar um bom emprego, e não criar o próprio caminho. Essa mentalidade molda nossa relação com o dinheiro, marcada muitas vezes por medo, culpa ou improviso”, afirma. Para ele, ensinar uma criança a lidar com o dinheiro é ensiná-la a pensar sobre escolhas, limites e liberdade. Isso abre uma porta para ela explorar um universo de escolhas conscientes, limites financeiros e liberdade de decisão.
Qual é a importância de tratar de finanças com as crianças?
Christianne Bariquelli destaca que é na infância que as as habilidades necessárias para uma vida financeira equilibrada se desenvolvem. Esse é o período em que a criança pode começar a compreender conceitos de planejamento, organização e escolha, mesmo que de forma rudimentar. “Mesmo sem entender os aspectos técnicos, as crianças podem ser estimuladas desde cedo em situações que envolvam planejamento, organização e escolhas”. Essas experiências não se limitam ao ato de contar dinheiro; elas se estendem ao entendimento das consequências de cada escolha financeira feita.
Ela ressalta que as crianças aprendem principalmente pelo exemplo. “A relação dos adultos da casa com o dinheiro, o quanto o tema é tratado abertamente e as experiências vivenciadas com a organização financeira contribuem para moldar a forma como os filhos lidarão com o dinheiro no futuro.”
Dinheiro e emoções: uma relação complexa
Para Júnior Silva, o dinheiro serve como um reflexo das emoções e valores que a pessoa carrega. “Quem aprende desde cedo a planejar, poupar e investir internaliza a noção de que o futuro é consequência das escolhas feitas hoje. Ensinar a poupar é ensinar autocontrole; ensinar a dividir é ensinar empatia; e ensinar a esperar é ensinar paciência”, observa
Ele alerta para o risco do silêncio ao redor deste tema em casa. “Falar sobre dinheiro ainda é visto como algo inadequado, mas o silêncio também educa e, nesse caso, educa errado. Se a criança vê os pais gastando de forma impulsiva, ela aprende que o dinheiro é um objeto de prazer imediato. Se vê diálogo e planejamento, aprende que é uma ferramenta de liberdade.”
Como tornar a educação financeira atraente para os pequenos?
Não existe um momento exato para iniciar a educação financeira, mas há formas criativas de fazê-lo. De acordo com Christianne Bariquelli, o segredo está em transformar o tema em experiências práticas e cotidianas. “A família pode engajar as crianças em tarefas como elaborar listas de compras, estabelecer limites de gastos ou planejar atividades juntos, como férias e passeios”, sugere.
- Guardar: ensinar a importância de reservar parte do dinheiro para o futuro.
- Gastar: mostrar que é possível consumir com sabedoria, escolhendo o que realmente importa.
- Doar: estimular a generosidade e o senso de comunidade desde cedo.
Além dessas abordagens caseiras, iniciativas educativas como as do Museu da Bolsa do Brasil (MUB3) criam ambientes interativos para a aprendizagem financeira, promovendo oficinas que combinam diversão e conhecimento. “Essas atividades ajudam a desmistificar o tema e despertam o interesse das crianças de maneira lúdica”, afirma Bariquelli.
Educação financeira e seus reflexos nos valores pessoais
Ensinar as crianças sobre dinheiro vai muito além da matemática. É uma lição de vida sobre responsabilidade, paciência e planejamento. Como ressalta Christianne, compreender finanças prepara os jovens para tomar decisões informadas, definir metas e comprometer-se com seus objetivos, equilibrando imediatismo e recompensas a longo prazo.
Essa visão é compartilhada por Júnior Silva, que enxerga no tema uma oportunidade de romper o ciclo de escassez emocional e financeira. “Educar financeiramente uma criança é abrir espaço para uma mentalidade empreendedora. aquela que cria, transforma e multiplica. Quem aprende desde cedo a dar valor ao que tem, aprende também o valor de quem é.”
Qual o “presente financeiro” ideal para o Dia das Crianças?
Para Christianne Bariquelli, o melhor presente é o aprendizado prático. “Sempre que possível, compartilhe com as crianças alguns dilemas e decisões financeiras. Uma mesada ou um pequeno orçamento que possa ser gerenciado ajuda a criar novas perspectivas sobre o tema”, orienta.
Ao fim, tanto Bariquelli quanto Silva concordam: o futuro financeiro do Brasil depende da consciência que formamos nas próximas gerações. Ensinar sobre dinheiro é ensinar sobre escolhas, responsabilidade e liberdade. É preparar crianças para viverem não apenas com prosperidade, mas com propósito.