O Brasil vive um ciclo de crescimento raro em meio à instabilidade global. De 2019 a 2025, o PIB real acumulou alta próxima de 13,5%, impulsionado por exportações, serviços e consumo. Mas a expansão não se reflete de forma equilibrada. Enquanto o setor produtivo compete em um ambiente duro e imprevisível, bancos e empresas de controle público seguem blindados, lucrando muito, arriscando pouco e competindo quase nada. O país não tem um problema de desempenho econômico, mas sim um problema de desenho econômico.
Bancos: o lucro garantido do mercado cativo
Nenhum outro setor brasileiro opera com tanta segurança quanto o bancário. Cinco instituições concentram mais de 80% do crédito e 90% dos depósitos, o que na prática transforma o sistema financeiro em um oligopólio funcional — uma estrutura que reduz risco, inibe competição e transfere custo para o cliente.
Em 2024, o setor lucrou mais de R$ 110 bilhões, com retornos sobre patrimônio (ROE) acima de 20%, mesmo com juros ainda elevados e baixo crescimento do crédito.
Não há nada de ilegal nisso; o problema é estrutural: o banco brasileiro não depende do desempenho do país para lucrar. Ele lucra com a inércia do sistema.
Os spreads médios acima de 25 pontos percentuais e as tarifas bancárias entre as mais caras do mundo são reflexo direto desse mercado cativo. O cliente não é conquistado, é mantido.
Migrar de banco significa enfrentar burocracia, riscos e perda de acesso ao crédito.
Resultado: milhões de brasileiros permanecem presos a um sistema que cobra mais pelo simples fato de poder cobrar.
A rentabilidade bancária brasileira é superior à de qualquer economia avançada e mais estável, os lucros sobem mesmo quando o PIB cai. É um capitalismo sem risco, onde a concorrência virou formalidade e o cliente, uma variável passiva.
As estatais e o conforto da receita garantida
O outro pilar da distorção está nas empresas de controle público e de rede: energia, transporte, combustíveis, saneamento, comunicações. São negócios essenciais, mas também protegidos da competição.
As empresas de controle público, como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa, Eletrobras (ainda parcialmente estatal), tiveram um salto de lucratividade inédito. Entre 2021 e 2024, seus lucros líquidos passaram de R$ 72 bi para R$ 198 bi, com dividendos ao Tesouro Nacional de R$ 72 bi apenas em 2024. Esses valores são positivos para o caixa público, mas também revelam um paradoxo: o Estado arrecada mais via lucro das próprias estatais do que via aumento do poder de compra da população.
Essas empresas não precisam disputar mercado nem eficiência, pois o consumidor é obrigado a comprar seus serviços. O faturamento conjunto cresceu 28,7% desde 2019, superando a inflação em 11 pontos. É a tradução de um modelo que transforma monopólio em virtude: quanto mais alta a tarifa, mais robusta a receita.
O resultado não é um Estado forte, mas um sistema que se retroalimenta. As estatais distribuem lucros recordes; o Tesouro contabiliza dividendos; o cidadão paga a conta, na bomba de combustível, na conta de luz, no pedágio e no boleto bancário. E quando essa renda é transferida do consumo para o lucro, o país até cresce, mas cresce para dentro.
O setor produtivo: o elo que sustenta os dois
Entre esses dois polos, o banco e a estatal, está o setor produtivo privado, que carrega o peso da competição e da tributação. As empresas da B3 tiveram aumento médio de 18% nos lucros entre 2022 e 2024, mas com margens de apenas 7%, muito abaixo dos setores protegidos.
São elas que empregam, investem e pagam impostos, mas enfrentam crédito caro, infraestrutura deficiente e um ambiente tributário que premia quem tem escala e proteção.
O resultado é previsível: os ganhos do crescimento ficam concentrados em quem tem mercado garantido, e não em quem produz.
A distorção tributária
Nesse cenário, a proposta de taxar em 10% as rendas acima de R$ 50 mil mensais é mais simbólica do que eficaz. Ela não corrige desigualdade, porque o problema brasileiro não está nas rendas altas, mas na estrutura que impede a renda média de crescer.
É justo e necessário isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil, aliviando o consumo básico e corrigindo defasagens históricas. Mas criar uma alíquota extra sobre quem investe, empreende e emprega é atacar o efeito, não a causa. O desequilíbrio vem de um sistema que cobra pouco de quem é protegido e muito de quem gera movimento econômico real.
Um capitalismo assimétrico
O Brasil não precisa de mais impostos, precisa de mais competição e mais coerência. Um capitalismo saudável deve premiar o risco, o investimento e a produtividade, não a posição dominante.
Hoje, o país convive com uma economia de duas velocidades: uma que disputa cada cliente e se financia a custo alto; e outra que lucra pela estrutura, não pela performance.
A questão não é ideológica, é sistêmica. Enquanto houver setores que funcionam sem risco e lucros que independem de mérito, a sensação de injustiça econômica continuará corroendo a confiança do cidadão.
O Brasil cresce, sim. Mas cresce num tabuleiro inclinado, onde quem tem mercado garantido continua vencendo antes mesmo do jogo começar.
*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam
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