A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (1º), por unanimidade, o texto-base do Projeto de Lei (PL) 1.087/2025, que altera a tabela do Imposto de Renda para pessoas físicas. O projeto amplia a faixa de isenção, cria descontos para rendas intermediárias e prevê novas formas de compensação fiscal, incluindo a taxação de altas rendas e de dividendos em casos específicos. A proposta ainda precisa ser analisada pelo Senado antes de seguir para sanção presidencial.
Com 493 votos a favor e nenhum contrário, a votação no plenário foi marcada como histórica pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O deputado destacou que a decisão busca atender diretamente milhões de famílias, ressaltando o consenso entre as bancadas sobre o tema.
Quem fica isento do imposto de renda?
Pelo texto, a partir de 2026, todas as pessoas físicas com renda mensal de até R$ 5 mil passarão a ter isenção efetiva do Imposto de Renda. Isso será possível por meio de um desconto fixo de R$ 312,89 aplicado na apuração, de forma que o valor do imposto devido fique zerado.
Para os contribuintes com renda entre R$ 5.000,01 e R$ 7.350, haverá um desconto mensal de R$ 978,62. Na prática, esse abatimento reduzirá de forma significativa o valor a ser pago, podendo até zerar o imposto em alguns casos. O objetivo é ampliar o alcance da medida e beneficiar uma parcela maior da classe média.
Como será feita a compensação fiscal?
De acordo com estimativas do governo, mais de 26,6 milhões de pessoas passarão a ser isentas do IR em 2026. Atualmente, a faixa de isenção atinge apenas quem recebe até R$ 3.036 por mês.
Para equilibrar a renúncia de receita, estimada em R$ 25,8 bilhões por ano, o projeto estabelece uma tributação adicional sobre altas rendas. Contribuintes com ganhos anuais acima de R$ 600 mil pagarão uma alíquota progressiva, que pode chegar a 10% para quem recebe a partir de R$ 1,2 milhão por ano.
Segundo o Ministério da Fazenda, essa medida atingirá cerca de 140 mil pessoas, o equivalente a 0,13% dos contribuintes. Atualmente, esse grupo paga, em média, 2,54% de imposto de renda.
Além do Imposto de Renda: o que muda para os dividendos?
Outro ponto importante do projeto é a criação de uma tributação sobre lucros e dividendos. Pelo texto, sempre que uma mesma empresa pagar a uma pessoa física residente no Brasil valores acima de R$ 50 mil por mês, haverá retenção de 10% de IRPF na fonte sobre o total pago.
Há, no entanto, uma regra de transição: lucros e dividendos relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025, e cuja distribuição seja aprovada até 31 de dezembro de 2025, não estarão sujeitos a essa cobrança. Isso significa que empresas poderão antecipar distribuições até o fim de 2025 para escapar da tributação.
Leonardo Aguirra de Andrade, sócio de Tributário do escritório Andrade Maia, explica que os dividendos continuam isentos para a maior parte da população, apenas quem ganha acima R$ 50 mil mensais sofrerá a retenção de IRRF (10%); ao final do ano, o IRRF se torna antecipação no cálculo do Imposto Mínimo. A incidência do Imposto Mínimo tem duas condições cumulativas: (1) receber mais de 600k anuais; (2) o montante recebido não ser tributado ou ser tributado com carga tributária (ETR) inferior a 10%. Se uma dessas condições não for atendida, não há imposto mínimo a pagar. “Trata-se de um top up tax, como no Pillar 2. Quem recebe rendimentos tributados ao longo do ano, acima de 10% não pagará o imposto mínimo“, destaca.
Imposto de Renda: como é hoje e o que muda
Categoria | Como é hoje | O que muda com o PL 1.087/2025 |
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Faixa de isenção | Até R$ 3.036 por mês | Até R$ 5.000 por mês, com desconto fixo de R$ 312,89 que zera o imposto |
Rendas intermediárias | Pagam IR conforme tabela progressiva | De R$ 5.000,01 até R$ 7.350 por mês recebem desconto mensal de R$ 978,62 |
Beneficiados | Cerca de 15 milhões de contribuintes | Mais de 26,6 milhões de contribuintes até 2026 |
Compensação fiscal | Não há tributação adicional específica | Alíquota extra progressiva de até 10% para rendimentos anuais acima de R$ 600 mil (máxima a partir de R$ 1,2 milhão) |
Lucros e dividendos | Isentos para pessoas físicas | Tributação de 10% na fonte sobre valores acima de R$ 50 mil/mês pagos por uma mesma empresa a uma mesma pessoa física |
Regra de transição | Não se aplica | Lucros e dividendos apurados até 2025 e distribuídos até 31/12/2025 continuam isentos |
“Um avanço significativo”, avalia comentarista
Para o analista de economia e política Miguel Daoud, a aprovação da nova faixa de isenção representa um avanço importante para milhões de brasileiros, especialmente para a classe média. Ele destaca que a medida resgata o princípio da capacidade contributiva, pelo qual quem tem maior renda deve pagar mais impostos, sem sobrecarregar quem dispõe de menos recursos.
“A proposta reduz a tributação sobre um poder aquisitivo fictício, já corroído pela inflação, e alivia o consumo das famílias. Isso também pode gerar reflexos positivos na economia real”, afirmou. Daoud destacou ainda que, para evitar desequilíbrio fiscal, o projeto prevê novas alíquotas para os mais ricos. Na prática, apenas uma pequena parcela da população, contribuintes com rendimentos anuais acima de R$ 600 mil, será chamada a contribuir mais.
Segundo ele, essa redistribuição reforça a progressividade do Imposto de Renda e corrige uma injustiça histórica da tabela defasada. Ainda assim, Daoud alerta que o custo fiscal estimado em cerca de R$ 25 bilhões por ano exige monitoramento atento. “Sem uma regra de correção automática, há risco de a mesma distorção voltar a se repetir no futuro. Mas o simbolismo é inegável: trata-se de um passo civilizatório em direção a um sistema mais justo, num país onde a carga tributária pesa desproporcionalmente sobre os que menos podem”, avaliou.
Compensação fiscal gera dúvidas no mercado
Se, por um lado, a medida é vista como um avanço em termos de justiça tributária, por outro há incertezas em relação à forma como o governo pretende equilibrar as contas públicas. O estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, avalia que o impacto imediato nos preços de ativos deve ser limitado, já que a aprovação do texto-base era amplamente esperada pelo mercado. No entanto, a preocupação recai sobre o financiamento da proposta.
“O governo fala em um impacto de mais de R$ 25 bilhões por ano em renúncia de receita com a isenção, mas quando o mercado fez as contas, a compensação via novas alíquotas não chega nem à metade disso”, afirmou. Segundo ele, o desafio está na falta de clareza sobre como essa diferença será coberta, já que não houve detalhamento robusto ao longo da tramitação.
Cruz também destacou o risco de mudança de comportamento por parte dos contribuintes de alta renda. “Não há certeza de que as pessoas sujeitas à nova tributação não buscarão alternativas, como transferir domicílio fiscal ou abrir empresas em paraísos fiscais para escapar da cobrança”, disse. Para o estrategista, a isenção em si é previsível e terá impacto direto sobre milhões de brasileiros, mas a compensação é incerta. “O risco é que, já no próximo ano, o governo precise fazer contingenciamentos maiores e cortes de gastos para lidar com o impacto fiscal”, completou.
Já CIO da MSX Invest, Marco Saravalle, também destaca a falta de clareza na compensação. “A proposta atual não detalha com clareza se as medidas apresentadas serão suficientes para equilibrar as contas públicas”, afirmou. Para Saravalle, essa indefinição gera cautela no médio e longo prazo. Ele também destacou o potencial efeito político da decisão. “Essa votação fortalece o governo e pode ser lida como uma vitória que aumenta a probabilidade de reeleição. Esse cenário já vem sendo considerado pelo mercado, mas a grande questão é entender como será conduzido um eventual próximo mandato”, avaliou.
Na visão do estrategista, os desdobramentos podem ir além da questão fiscal. “Há ainda o risco de reflexos inflacionários. Empresas podem repassar custos ou reduzir dividendos para compensar a maior carga tributária, o que impactaria a inflação projetada e, consequentemente, poderia manter os juros em patamares elevados por mais tempo”, explicou. Segundo ele, o curto prazo é de neutralidade, mas o médio prazo dependerá de novas medidas de arrecadação e do cenário político que se desenha até 2026.
Quais são os próximos passos?
Após a aprovação na Câmara, o projeto segue para análise no Senado. Caso aprovado sem mudanças, será enviado para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se houver alterações, o texto volta para a Câmara dos Deputados. A expectativa é que as novas regras comecem a valer a partir de 2026, respeitando o período de transição definido no texto.
A votação unânime demonstra o peso político da proposta, que foi uma das promessas de campanha de Lula em 2022. A medida amplia a faixa de isenção, cria um alívio para a classe média e introduz mecanismos de compensação fiscal que atingem principalmente contribuintes de maior renda e investidores com grandes volumes de dividendos.