No Painel BM&C apresentado por Paula Moraes, Bruno Musa da Portfel, Jeferson Bittencourt, do ASA e Roberto Dumas, mestre em economia, convergiram em um diagnóstico: o tema fiscal voltou ao centro das preocupações. Segundo eles, o país normalizou juros longos elevados, dívida crescente e um ambiente de incerteza que limita investimentos e enfraquece a confiança.
Além disso, os entrevistados avaliaram que a estratégia atual privilegia despesas e subsídios, enquanto posterga ajustes estruturais. Nesse sentido, a “narrativa” de responsabilidade fiscal não tem sido acompanhada por medidas suficientes para estabilizar a dívida/PIB. Por outro lado, um choque de credibilidade, ainda que gradual, poderia iniciar um ciclo virtuoso de queda de juros e retomada do apetite por risco.
O que trava o ajuste fiscal? Rigidez orçamentária ou opção política?
Para Musa, a razão prática para o impasse é política: atacar o desequilíbrio é impopular, especialmente próximo ao calendário eleitoral. Enquanto isso, o motor do gasto continua pressionando a dinâmica da dívida e exigindo juros mais altos para conter a inflação. Dumas reforça que a curva longa ainda não precificou integralmente o risco fiscal e alerta para a possibilidade de um “despertar” brusco adiante.
Jeferson Bittencourt acrescenta a rigidez orçamentária ao diagnóstico: a Constituição ampliou direitos e indexou gastos, ao passo que o novo arcabouço assegura crescimento real da despesa. Assim, mesmo com esforços de arrecadação (offshores, fundos exclusivos), os resultados primários têm sido tímidos diante da necessidade para estabilizar a dívida, prolongando juros altos e comprimindo o crédito privado.
Quais são os sinais de alerta no front fiscal?
Enquanto isso, os especialistas listaram vetores que elevam o risco macroeconômico e, cumulativamente, pressionam a credibilidade:
- Trajetória de dívida/PIB apontando para patamar mais alto nos próximos anos, com estabilização distante sem superávits robustos;
- Juros longos “normalizados” em níveis historicamente elevados, encarecendo o financiamento do setor público e privado;
- Déficit em conta corrente maior e mais dependente de portfólio, em vez de investimento direto;
- Incerteza tributária recorrente (mudanças frequentes em desonerações, isenções e taxações), que desorganiza planejamento empresarial;
- Subsídeos implícitos e crédito direcionado, com risco deslocado para bancos públicos e custo fiscal pouco transparente.
Medidas imediatas ou sinalização crível?
Nesse sentido, Bittencourt defende que o primeiro passo é um “choque de realidade”: reconhecer que o ajuste é difícil e depende de coordenação entre Executivo, Congresso e Judiciário. Além disso, a focalização de políticas, evitar benefícios universais para faixas de renda elevadas, e medidas moralizadoras, como fim de penduricalhos acima do teto, podem não gerar grande economia, mas entregam credibilidade e preparam o terreno para reformas pesadas.
Por outro lado, Musa argumenta que um compromisso explícito com corte de gastos e revisão de benefícios poderia achatar a curva de juros rapidamente, melhorando expectativas. Ele cita, entre outros pontos, reavaliar o reajuste do salário mínimo (vinculado a PIB passado e inflação), auditar programas de transferência e rever incentivos fiscais pouco eficientes, além de conter o crescimento da máquina pública.
Salário mínimo, previdência e focalização: dá para começar por onde?
Para Dumas, o eixo crítico passa por disciplinar a indexação: sem atrelar benefícios a regras pró-crescimento da produtividade (e não apenas à inflação e ao salário mínimo), a despesa obrigatória continuará escalando. Bittencourt lembra que a regra atual do salário mínimo foi tornada perene, o que eleva o custo político de qualquer revisão futura. Enquanto isso, a judicialização de benefícios (como BPC) pressiona o caixa, exigindo pactos entre Poderes para preservar a sustentabilidade.
Além disso, a incerteza regulatória tributária inibe investimento e empurra empresas para estratégias defensivas. Foco, previsibilidade e simplificação são, portanto, pré-condições para baixar o prêmio de risco e liberar o crédito privado, mais eficaz do que “fundinhos” pontuais que escondem subsídios no balanço público.
Estamos à beira de uma crise?
Enquanto alguns indicadores piscam amarelo, dívida em alta, juros longos resistentes, contas externas mais frágeis, os três convergem que “país não desaparece”, mas pode conviver com piora gradual: mais inflação, mais juros e menos crescimento. Nesse sentido, Dumas nota que uma crise fiscal costuma se manifestar via câmbio e inflação, sobretudo quando a confiança se rompe de forma súbita. Por outro lado, um pacote crível de ajuste poderia inverter a dinâmica: despesa menor, prêmio de risco menor, crédito mais barato e crescimento com base mais sólida.
Qual é o gatilho de confiança para virar o jogo?
Por fim, o consenso do painel é que a virada começa com sinalização clara e persistente: compromisso público com meta fiscal factível, plano de contenção de despesas obrigatórias, revisão de indexações e focalização de políticas sociais. Em paralelo, previsibilidade tributária e coordenação federativa ajudam a reduzir litigiosidade e reforçam o efeito-credibilidade. Se essa estratégia prosperar, abre-se espaço para uma trajetória de dívida/PIB mais benigna, queda dos juros longos e reativação do investimento privado, trocando o ciclo vicioso por um ciclo virtuoso.