O economista Bruno Corano analisou em entrevista à BM&C News a difícil conjuntura enfrentada pelo Federal Reserve (Fed), que segue dividido entre os sinais de desaceleração do mercado de trabalho e a persistência da inflação nos Estados Unidos. A ausência de dados atualizados, resultado do impasse político em Washington e da ameaça de um novo shutdown, amplia a incerteza e dificulta a calibragem da política monetária.
“A situação equivale a dirigir um carro em alta velocidade com uma venda nos olhos“, diz Corano em referência à dependência do Fed em relação aos indicadores econômicos para definir os próximos passos da taxa de juros, e o risco da não divulgação de dados, devido ao shutdown. “Sem dados consistentes, a autoridade monetária pode optar por esperar ou adotar movimentos pontuais, mas sempre sob risco de erro de avaliação“, avalia.
O que está em jogo na decisão do Fed?
O economista destacou que, embora a economia americana já dê sinais claros de desaceleração, a inflação segue sendo a grande incógnita. A combinação de crescimento fraco com preços pressionados pode levar a um cenário de estagflação, em que o país enfrenta simultaneamente baixo dinamismo e perda do poder de compra. “Esse quadro aumentaria a pressão sobre o Fed, que precisaria equilibrar dois objetivos conflitantes, controlar a inflação sem agravar a retração da atividade econômica“, avalia.
Além disso, Corano ressaltou que as divergências internas no comitê do Fed refletem justamente essa dificuldade, parte dos dirigentes está mais atenta ao mercado de trabalho, enquanto outra parte se concentra no comportamento dos preços. “Essa divisão aumenta a volatilidade dos mercados, já que cada discurso de autoridade monetária é interpretado como um possível sinal de mudança na estratégia“, avalia.
Quais setores já sinalizam a desaceleração?
Ao comentar os fundamentos da economia real, Corano lembrou que algumas indústrias já vinham apresentando retração expressiva mesmo antes da piora recente dos indicadores. Ele citou a indústria de embalagens, em queda há cerca de dois anos, e o setor de transporte e frete, que também tem mostrado enfraquecimento. Para o economista, esses segmentos funcionam como termômetros antecipados da atividade e reforçam o diagnóstico de que a economia americana está em desaceleração.
- Indústria de embalagens: queda contínua nos últimos dois anos, sinalizando menor demanda.
- Transporte e frete: redução no volume de cargas, indicando enfraquecimento da atividade industrial e comercial.
- Outros setores: diversas indústrias já reportam dificuldades, contrastando com números oficiais ainda resilientes.
O Fed pode errar na calibragem da política?
Na visão de Corano, a ausência de dados confiáveis aumenta o risco de decisões equivocadas. O Fed pode optar por cortar juros diante da falta de indicadores ou manter a taxa elevada por cautela, mas ambas as alternativas carregam potenciais efeitos adversos. “Sem os dados, é imprevisível saber o que o Fed vai fazer”, disse o economista, lembrando que a política monetária americana tem sido descrita como “data dependente”.
Enquanto isso, o mercado segue atento aos próximos discursos de dirigentes do Fed e à divulgação de dados de emprego, como o payroll, cuja publicação pode ser afetada pelo shutdown governo. Nesse cenário, cada sinal ganha importância desproporcional, elevando a incerteza entre investidores.
Estamos diante de um risco maior?
Por fim, Corano alertou para a possibilidade de um choque inesperado caso a economia americana entre em estagflação. Nesse caso, a combinação de inflação persistente e atividade fraca poderia forçar uma revisão abrupta da política monetária, impactando não apenas os EUA, mas também os mercados globais. “A economia já dá sinais de desaceleração, mas isso não significa que a inflação está resolvida”, concluiu o economista.
Nesse sentido, a mensagem principal é que a trajetória da política monetária americana seguirá altamente dependente dos dados, justamente os mesmos que podem deixar de ser publicados em meio ao impasse político. A combinação de incerteza fiscal e indefinição monetária reforça a necessidade de cautela dos investidores nos próximos meses.