O Congresso Nacional continua a mostrar que não está nem um pouco preocupado com a opinião pública e pensando apenas no curto prazo. A movimentação que aprovou, com pressa e folga, a chamada PEC da Blindagem mostra claramente a faceta leviana dos parlamentares. A proposta, como se sabe, torna praticamente impossível que se processe um deputado ou senador, retira do Supremo Tribunal Federal a primazia de acionar os congressistas e abre um perigoso precedente para colocar criminosos no plenário.
Em dois turnos realizados no mesmo dia, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC com 353 votos favoráveis no primeiro e 344 no segundo. Não houve debate público, apenas um movimento coordenado para reforçar privilégios e dificultar investigações. O texto determina que deputados e senadores só poderão ser presos em flagrante por crime inafiançável. Para qualquer outra prisão ou abertura de processo criminal, será necessária autorização prévia do Congresso — em votação secreta no caso de prisões, e aberta para processos. Medidas cautelares só poderão ser expedidas pelo STF e o foro privilegiado foi ampliado para incluir presidentes de partidos com representação no Congresso.
A PEC, na prática, institucionaliza a impunidade e ignora completamente o que pensa a sociedade. Uma pesquisa Datafolha, por exemplo, revelou que 78% dos brasileiros acreditam que os parlamentares agem em benefício próprio. Apenas 18% enxergam alguma preocupação com os interesses da população. O Congresso sabe disso. E, mesmo assim, legisla para si.
O texto aprovado é um retorno a práticas que vigoraram entre 1988 e 2001, quando o Congresso já tinha o poder de barrar investigações contra seus membros. Na época, um projeto do deputado Aécio Neves acabou com esse modelo e deu poderes processuais à suprema corte. Mas a marcação cerrada de alguns juízes em relação ao Congresso criou um espírito de corpo grande o suficiente para ressuscitar a blindagem que reinou até o início do Século 21.
A aprovação desse texto é reflexo da indiferença dos parlamentares em relação ao eleitorado. Mas, ao mesmo tempo, reflete a fraqueza institucional do presidente da Câmara, Hugo Motta. Sem pulso ou liderança, ele faz apenas o que desejam seus colegas, como se fosse um porta-voz do Centrão. Motta provavelmente não sabe, mas uma das principais características de um líder é saber dizer não. E, atualmente, ele apenas concorda com a vontade do Baixo Clero, pois não consegue exercer a liderança que se espera de um presidente da Câmara.
O Congresso, ao se fechar em si mesmo, rompe o pacto fundamental de representação firmado com a população brasileira. Quando essa aliança se rompe, o que resta é apenas um teatro mal ajambrado, com atores canastrões, que performam de costas para a plateia. Nesta trama, os interesses do povo são sempre o último ato e muitas vezes são cortados do roteiro.
A última encenação, para piorar, ocorreu na semana em que o ex-delegado Ruy Ferraz Fontes, o inimigo número 1 do PCC, foi assassinado pela facção criminosa e poucos dias após as autoridades terem mostrado a infiltração do crime organizado no sistema financeiro. A blindagem aprovada nesta semana é um convite escancarado à liderança criminosa para entrar na vida pública e obter uma cadeira no Congresso, onde estará livre de praticamente qualquer processo.
O Brasil não precisa de parlamentares blindados. O que o país necessita é de um Congresso exposto à crítica. Quem legisla para si não representa ninguém. E aqueles que transformam o poder em escudo, abdicam do compromisso assumido com a população que os elegeu.