A bolsa brasileira voltou a renovar máximas em sintonia com o rali global de ativos de risco, liderado pela perspectiva, e agora pela concretização de cortes de juros nos Estados Unidos. Para Alexandre Mathias, estrategista-chefe da Monte Bravo, o impulso é essencialmente externo, ouro em recorde, Japão em recorde, Nasdaq e S&P em recorde, e o Ibovespa acompanhando esse movimento. Nesse enquadramento, o Brasil não é uma exceção, mas parte de um ciclo de reprecificação de risco mais amplo.
Além disso, Mathias observa um “descompasso” entre câmbio e juros locais, o real apreciou além do esperado ao romper R$ 5,40 e tocar R$ 5,30, enquanto a curva doméstica parece “atrasada” frente à força dos ativos de risco. Por outro lado, a fotografia fiscal segue desafiadora, com dívida caminhando a 90% do PIB no início do próximo governo e um juro real ainda elevado mesmo após quedas. Nesse sentido, o copo meio cheio vem do exterior; o meio vazio, das nossas fragilidades.
Bolsa forte com juro alto: paradoxo ou efeito global?
A aparente contradição, renda fixa com retorno elevado e bolsa em alta, encontra explicação no contexto internacional. Na leitura de Mathias, o que está “empurrando” os ativos de risco é a queda da taxa americana, com reflexos transversais, de commodities a tecnologia, passando por emergentes. Assim, o Brasil surfa a mesma onda que favorece índices globais, ainda que carregue um prêmio de risco estrutural doméstico.
Enquanto isso, o economista Alex André reforça a tese de que a alta recente não é um fenômeno isolado, Chile, México e Peru avançam, e os índices de emergentes, em bloco, mostram fôlego. Nesse sentido, há um vetor comum, o enfraquecimento do dólar (DXY) e a melhora de condições financeiras globais, que impulsiona moedas e bolsas do mundo em desenvolvimento. A força do vento externo se sobrepõe, no curto prazo, às discussões locais.
A euforia da bolsa reflete confiança no Brasil?
Por outro lado, Alex André relativiza a leitura de que a alta traduz uma confiança irrestrita no quadro doméstico. Para ele, o mercado “escolhe” poucos temas por vez, e o risco fiscal foi “engavetado” temporariamente, não porque tenha desaparecido, mas porque o ciclo global de cortes tornou-se o assunto dominante. Quando o foco voltar para o fiscal, correções podem acontecer, como já se viu em outros momentos.
Nesse sentido, a narrativa de curtíssimo prazo tende a simplificar, quando sobe, atribui-se ao cenário externo; quando cai, resgata-se o fiscal. A verdade, contudo, é mais granular: o ambiente internacional define o rumo dos fluxos, enquanto os fundamentos locais calibram a intensidade e a sustentabilidade do rali. Assim, as máximas recentes convivem com um pano de fundo que ainda pede disciplina fiscal.
Quais são os vetores que podem (des)ancorar o rali?
Mathias projeta que o ciclo doméstico de juros ainda tem “catch-up” à frente: ele vê cortes mais pronunciados do que o que o mercado embute hoje, o que, em tese, favorece múltiplos e reduz custo de capital. Entretanto, a combinação de dívida elevada e juro real alto mantém o prêmio de risco sensível a choques. Alex André, por sua vez, ressalta que o “bull market” local se acoplou às duas últimas semanas de força em emergentes, mas lembra que fluxos são cíclicos, a mesma maré que levanta pode, em algum momento, recuar.
- Vento externo: cortes do Fed e DXY mais fraco ampliam a demanda por risco.
- Prêmio doméstico: fiscal e política podem reprecificar ativos rapidamente.
- Curva de juros local: se cair mais que o esperado, abre espaço para a equity.
- Lucros e guidance: resultados corporativos validam (ou não) o avanço dos múltiplos.
Até quando a bolsa pode respirar aliviada?
Enquanto isso, a sustentação de patamares elevados depende de uma equação delicada: manutenção do ciclo de afrouxamento global, ausência de choques políticos internos e progresso, mesmo gradual, na âncora fiscal. Se essa tríade se mantiver, a bolsa tende a seguir bem-comportada, com rotações setoriais ao sabor da curva de juros e do apetite a risco. Caso contrário, a volatilidade retorna e cobra pedágio nas cotações.
Em síntese, a bolsa brasileira sobe por razões majoritariamente exógenas, o que não diminui o mérito, mas recomenda prudência. O investidor atento combina leitura top-down (ciclo global, dólar, juros) com avaliação bottom-up (qualidade de lucro, alavancagem, geração de caixa). Além disso, mantém a consciência de que “tendência não é destino”: o bull market pode persistir, mas sua trajetória dependerá de como o Brasil administrará seus próprios riscos enquanto o mundo oferece a janela de liquidez.