Não bastasse a polarização política que vivemos na sociedade, também estamos prestes a encarar um antagonismo cada vez maior entre dois Poderes da República: o Judiciário e o Legislativo. Sobre a possibilidade de o Senado, no futuro, instaurar processos de impedimento contra ministros do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes disse: “Não espero que o Senado venha a agir para buscar vindita em relação ao STF. Impeachment deve ser um processo regular. Se for por conta do voto de um ministro, seria irregular. O STF não vai aceitar.”
A frase, dita durante evento realizado ontem em São Paulo, reacende a tensão entre o STF e o Congresso. Mas não é preciso concordar com Gilmar para entender o risco que este cenário traz. O impeachment de ministros está previsto na Constituição, e o Senado tem prerrogativa para julgar membros da Corte por crimes de responsabilidade. O problema não está no instrumento em si, mas na motivação. Quando o impeachment começa a ser cogitado como resposta a decisões judiciais, o que se desenha não é um processo legal — é uma guerra política. E combates entre Poderes não têm vencedores. Têm vítimas: a estabilidade institucional, a confiança nas regras do jogo e, principalmente, o cidadão comum.
O STF pode responder juridicamente, suspendendo processos, alegando desvio de finalidade e recorrendo à jurisprudência. Mas o problema não está na questão legal e sim na escalada de conflitos. Quando um Poder começa a mirar o outro como inimigo, o país entra em modo de instabilidade crônica. Isso afeta tudo: da economia à segurança jurídica, da imagem internacional à governabilidade. Investidores observam com atenção os sinais de erosão institucional. E a confiança externa depende da previsibilidade interna — nesse sentido, qualquer ruído entre os Poderes reverbera nos mercados, nos acordos e na percepção global sobre o Brasil.
O que mais afetaria a estabilidade política nacional é justamente o que poderia ocorrer nos bastidores, fora do alcance da sociedade — uma guerra silenciosa de dossiês, plantando notícias desfavoráveis para os dois lados. Com um ambiente assim, o país perde a capacidade de construir pontes. Diferente de sistemas parlamentares, onde há mecanismos de mediação entre os Poderes, o Brasil vive em um modelo que favorece trincheiras. Sem canais institucionais eficazes de negociação, os embates podem se radicalizar indefinidamente.
Não é preciso defender o STF para reconhecer que o Judiciário precisa de autonomia. Assim como não é preciso aplaudir o Senado para entender que o Legislativo tem o direito de fiscalizar. O que não podemos aceitar é que o embate entre instituições se transforme em revanche ou em espetáculo.
No mundo da política, é preciso ter sangue frio. Mas isso está faltando da direita, que vem agindo com o fígado há muito tempo. Vários líderes conservadores, por exemplo, vêm comentando para quem quiser ouvir que um dos objetivos para 2026 é eleger um número suficiente de senadores para obter a maioria da câmara alta. Com isso, tomariam a presidência da casa e aprovariam o impeachment de ministros que não estivessem alinhados ideologicamente com este grupo.
Será esse um caminho certo? A fala de Gilmar mostra que o STF não reagiria calado a um conflito como o que planejam os direitistas. O Brasil já tem problemas demais para importar mais um, o da erosão institucional. E se há algo que a história ensina, é que quando os Poderes deixam de dialogar e passam a se enfrentar, quem paga a conta é sempre o país. Talvez o melhor caminho, neste caso, seja o do diálogo. Mas, convenhamos, esta trilha é a mais difícil de todas as que se apresentam na cena política brasileira, radicalizada até a medula.